01/12/2022 16:42

*Paula Schitine

Desde o golpe de 2016, a sociedade civil organizada tem mantido um importante papel de resistência, principalmente a partir dos territórios em que atuam e articulações de redes e fóruns. Agora, a expectativa das organizações sociais é a recuperação dos espaços de participação popular. Foram criados 31 Grupos Técnicos (GT) que convocaram reuniões e plenárias com a presença ativa da sociedade civil organizada.

Representantes da FASE participam e contribuem com propostas em pelos menos três Grupos Técnicos e Sub-GTs de diferentes segmentos do Governo de Transição. “Era importante garantir essa multiplicidade e pluralidade de sujeitos dentro desse espaço. Então, nós começamos a atuar nos GTs de Desenvolvimento agrário e de Desenvolvimento Social e Combate à Fome; no GT de Meio Ambiente e ainda no Conselho de Participação Social”, explica Letícia Tura, diretora executiva da FASE

Um dos grupos de maior participação popular é o GT de Desenvolvimento Agrário que chegou a ter 1.000 participantes numa reunião virtual. Coordenado pelo deputado federal Pedro Uczai (PT-SC), o grupo reuniu lideranças de movimentos da agricultura familiar e camponesa, das águas e das florestas, de instituições, de organizações sociais. Esta foi, até o momento, a maior escuta realizada pelos GTs da transição. Este grupo prioriza o debate do acesso à terra e direitos territoriais, abastecimento alimentar, fomento à produção de alimentos agroecológicos saudáveis e uma Política Nacional de Abastecimento com estoques de alimentos que possa conter a inflação dos alimentos e reduzir preços.

Propostas para o combate à Fome

Compondo a Conferência Popular de Soberania Alimentar e Nutricional, a assessora da FASE e ex-presidenta do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), Maria Emília Pacheco, participa do GT de Desenvolvimento Social e Combate à Fome. A Conferência produziu um documento que faz considerações sobre os itens emergenciais de atenção para o próximo governo. “No que se refere à reorganização do Governo, a proposta da Conferência é a retomada do Sistema Nacional de Segurança Alimentar como estratégia de organização intersetorial do Estado com a recomposição do CONSEA, a recriação da Câmara Intermunicipal ligados à Presidência da República e uma Secretaria Especial para erradicar a fome e promover uma alimentação adequada e saudável”, afirma a assessora da FASE. “Estamos propondo ainda que a 6ª Conferência de Segurança Alimentar e Nutricional seja realizada em 2023”. Lembrando que já vinham sendo realizadas conferências estaduais antes do processo ser autoritariamente interrompido com a extinção do CONSEA.. É fundamental a realização desta Conferência com ampla participação social para criar as bases para um novo Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.

Dentre as políticas e programas é preciso urgentemente retomar e reconstruir o Bolsa Família. “Para isso, é preciso que sejam reativados os Centros de Referência do Sistema Único de Assistência Social, porque é lá que se estabelece a relação direta com as famílias que recebem o benefício. Também é preciso rever o cadastro único, e fazer a busca ativa, olhar onde existem famílias que não foram cadastradas e não estão recebendo essa transferência de renda. E ainda, recomendamos o acompanhamento das crianças na escola pelas famílias e também a frequência nas unidades de saúde para medição de peso e altura, vacinação, etc. Esse procedimento é importante para garantir direitos básicos de saúde e educação. Defendemos ainda manter o valor de 600,00 para as famílias com o acréscimo de 150,00 para crianças abaixo de 6 anos. É preciso considerar o tamanho das famílias, o que não era feito no Auxílio Brasil”, ressalta.

De acordo com Maria Emília Pacheco, coerente com a perspectiva do direito humano à alimentação saudável é necessária a revisão da composição da cesta básica. “Um dos princípios que regem nossa proposta é assegurar que não só as pessoas se alimentem, mas que tenham comida saudável. Em lugar dos ultraprocessados é necessário ter alimentos naturais, com frutas e verduras, e essa proposta se associa com o reconhecimento e valorização da agricultura familiar camponesa, por isso nós insistimos na política de fomento à produção de alimentos”, avalia. “Estamos buscando garantir o princípio da diversidade de alimentos, conforme diz o guia alimentar para a população brasileira”, resume.

“A proposta de uma Política Nacional de Abastecimento Alimentar e programas de compras públicas são tão importantes para o País que este tema tem sido abordado em vários grupos de transição”, conclui Maria Emília Pacheco.

Meio ambiente e sociobiodiversidade

Mas, a diretora da FASE ressalta que nem em todos os GTs há uma múltipla representatividade popular. Um dos grupos em que a organização entende como fundamental a participação ativa de povos e comunidades tradicionais é r mais efetivamente foi o GT Meio Ambiente. A coordenadora do Grupo Nacional de Assessoria da FASE, Maureen Santos passou a integrar o Conselho de Participação Social, que tem por objetivo sistematizar experiências, elencar propostas para qualificar e ampliar a integração governo e sociedade na execução de políticas públicas sugerir prioridades de políticas públicas que possam ser remodeladas para uma maior participação da sociedade e dos movimentos.  “Atuamos em conjunto com o Grupo Carta de Belém e além disso, tenho feito uma atuação mais profunda com outros GTs para tentar provocar a transversalidade da temática socioambiental. Por exemplo: cidades e meio ambiente, desenvolvimento agrário e a questão socioambiental e buscar essa articulação de forma unitária e também junto com o GCB”, explica Maureen Santos.

Dentro desta perspectiva e também visando os primeiros 100 dias de governo, o Grupo Carta de Belém – do qual a FASE é signatária – divulgou um documento com 13 contribuições para o trabalho do GT Meio Ambiente da transição. Entre as propostas, estão a revogação de decretos que mercantilizam o meio ambiente, como o Programa Adote um Parque [link para a publicação], e a prioridade para reverter os “desmontes nas políticas voltadas à agricultura familiar, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), a Política Nacional de Agroecologia e produção Orgânica (PNAPO) e a Política de Garantia de Preços Mínimos para os Produtos da Sociobiodiversidade (PGPMBio)|”

Ainda na opinião da diretora executiva da FASE, o Ministério dos Povos Originários pode ser considerado uma grande conquista direta dos movimentos sociais.  “Agora, a grande expectativa é de que a questão da fome e da soberania alimentar não sejam apenas tratadas como uma solução do agronegócio, até porque alimento não é commodity, mas que seja interligada aos Ministério de Desenvolvimento Agrário e Social e, também, dos Povos Originários”, espera.

 

*Paula Schitine é jornalista da comunicação da FASE