30/11/2016 16:01

Brasília - Manifestantes entram em confronto com a polícia em frente ao Congresso Nacional (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

Brasília – Manifestantes entram em confronto com a polícia em frente ao Congresso Nacional. (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr – Arte: Jamilie Aragão/FASE)

Existe uma contradição gritante entre a falta de legitimidade política do governo de Michel Temer (PMDB) e o caráter radical do seu programa, diametralmente oposto à vontade expressa nas urnas pelos 54 milhões de eleitores que elegeram em 2014 a presidenta deposta pelo impedimento. É realmente espantoso que depois de seis meses de governo, que só levaram ao aprofundamento da crise, a turma que usurpou o poder continue agindo como se tivesse recebido um mandato dos céus para impor uma drástica mudança de rumos ao Estado brasileiro, não apenas até 2018, mas pelos próximos 20 anos. A tentativa sem precedentes de colocar numa camisa de força os presidentes que serão eleitos em 2018 e nos quadriênios seguintes, revela a audácia com que Temer e sua base de sustentação no Congresso atentam contra a democracia.

Essa ofensiva radical contra a cidadania brasileira, verdadeiro desmonte do capítulo dos direitos inscritos na Constituição de 1988, cumpriu mais uma etapa nesta terça-feira (29), quando o plenário do Senado aprovou em primeiro turno, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 55 – PEC 241 na Câmara de Deputados –, que estabelece um limite para os gastos públicos pelos próximos 20 anos. A PEC estabelece que as despesas da União (Executivo, Legislativo e Judiciário) só poderão crescer conforme a inflação do ano anterior. Contrários ao texto, senadores da oposição apresentaram uma série de emendas à proposta para, entre outros pontos, excluir gastos com saúde, educação e assistência social do teto de gastos. A maioria do Congresso, o mais conservador das últimas décadas, retrato fiel de um sistema político que até Renan Calheiros (PMDB) considera “caquético, falido e fedido”, aprovou a Proposta, já que o projeto é considerado pelo governo como um dos principais mecanismos garantir o reequilíbrio das contas públicas.

O diagnóstico das finanças públicas, de que parte o governo, é falso e mal intencionado e só beneficia o capital financeiro sanguessuga, que retira a energia da sociedade brasileira através das exorbitantes taxas de juros que estrangulam a produção e provocam o desemprego. O governo está repassando 8,5% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, aproximadamente R$ 500 bilhões, para o sistema financeiro a título de juros sobre a dívida pública, embora os fatos já tenham desmentido o falso argumento de que essas taxas de juros elevadas são necessárias para conter a inflação. Existe um silêncio espantoso em torno dessa questão, já que a Rede Globo e outros monopólios da mídia, que apoiam a política neoliberal, fazem de tudo para blindar os interesses do capital financeiro e dos rentistas em geral.

Devemos nos perguntar por que outros setores da sociedade compactuam com essa situação ou se acomodam diante delas. Alguns políticos e economistas tinham a expectativa de que os empresários do setor produtivo permanecessem fieis à orientação do governo anterior, em sua frustrada tentativa de reduzir as taxas de juros para promover a retomada do crescimento industrial. Infelizmente, tudo leva a crer que muitos empresários, tendo à frente a deplorável Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), optaram por priorizar a sua participação nos ganhos que realizam graças às elevadas taxas de juros. Pior ainda, as diversas frações de classes capitalistas parecem ter se unido em torno da adesão ao ataque contra os direitos dos trabalhadores.

Outro questionamento que devemos nos fazer é se o fato de setores sindicais terem se transformado em parceiros do Estado e do capital financeiro na gestão de fundos de pensão e de grandes projetos de investimento não terá contribuído para a pouca atenção dada à questão dos juros e da dívida pública. A ofensiva do poder executivo, do Congresso e até mesmo do Judiciário – basta ver a atuação recente do Superior Tribunal Federal no desmonte dos direitos trabalhistas – contra os direitos sociais e trabalhistas se desenvolve nos últimos meses num ritmo avassalador, que desafia os movimentos sociais e todas as organizações comprometidas com a defesa dos direitos a desenvolverem uma ação de resistência em diversas frentes simultaneamente, já que, uma vez aprovada a PEC 55, logo virão a reforma da previdência e trabalhista, visando à precarização do trabalho e o fortalecimento absoluto do capital.

A situação no curto prazo parece bastante desfavorável aos interesses da grande maioria da população, mas não podemos ceder ao desânimo, nem cair no imobilismo. As condições políticas para a realização do projeto estratégico viabilizado politicamente pelo golpe são bastante frágeis, sobretudo se considerarmos que o atual governo vive de crise em crise, minado por suas próprias contradições internas e por uma base política no congresso constituída em grande parte por um amálgama de interesses políticos inconfessáveis e sujeita à erosão da Lava Jato. A PEC 55, também conhecida como “a PEC do fim do mundo”, pretende determinar os rumos da sociedade brasileira pelos próximos 20 anos. É provável que tenha o mesmo destino do “Reich de mil anos”, de Adolf Hitler, que só durou 12 anos.