12/08/2010 19:37

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Desde 2004, a região oeste do Pará passou a receber uma contribuição a mais para frear o modelo predador e insustentável e colocar em seu lugar um desenvolvimento mais humano, sustentável, limpo e eficaz. Esta contribuição passou pela Fase Amazônia, mas logo se tornou patrimônio de um grande coletivo de pessoas, famílias e organizações que já vinham lutando por longo tempo para manter as condições de vida daquele território. Trata-se de Fundo Dema, fundo financeiro de apoio a

projetos de desenvolvimento sustentável naquela região amazônica. Em julho, o Fundo Dema apresentou parte de sua experiência a representantes do Fundo Amazônia, que é também um fundo financeiro destinado a apoiar projetos de conservação do nosso bioma, e que poderá vir a fortalecer os projetos já apoiados pelo Fundo Dema. Na visita, conheceram alguns dos projetos que já apresentam um resultado concreto na construção de um desenvolvimento realmente sustentável na Amazônia.

Nunca é demais lembrar que o Fundo Dema tem este nome em memória de Ademir Federicci, cujo apelido era Dema, um militante sindical amazônico que morreu assassinado em 2001 por denunciar e se opor à destruição da Amazônia em suas mais variadas facetas. Esta lembrança serve para demarcar que apoiar um outro desenvolvimento para a região significa também construir a paz social num dos contextos de maior violência rural em todo o Brasil. O relato da visita dos representantes do Fundo Amazônia aos projetos apoiados pelo Fundo Dema são confirmadores desta visão.

Isto porque, segundo Letícia Tura, diretora da Fase que esteve presente nos dias de visita no oeste do Pará, “o Fundo Dema é um conjunto de pequenos projetos que, em rede, apresentam um grande resultado. É literalmente um trabalho de formiguinha que ganha escala em seu conjunto”. Sua declaração encontra eco numa descrição bastante breve de como se estrutura o funcionamento do Fundo Dema. São três as regiões do oeste do Pará onde projetos são apoiados por este fundo: a região da rodovia Transamazônica, a região da rodovia BR-163, e a região do Baixo Amazonas. Em cada uma delas, uma miríade de iniciativas demonstram, cada uma de um jeito particular, uma forma de produzir e dar vida digna às populações sem ofender o meio ambiente.

A visita do Fundo Amazônia se concentrou nas áreas do Baixo Amazonas e na BR-163. “No Baixo Amazonas, fomos à região do Lago Grande. Ali há um projeto extrativista  feito numa modalidade inovadora de projeto de assentamento. É uma área de regularização coletiva onde há várias famílias vivendo. Há muita pressão que vem da expansão da soja, por isso a conquista de um Projeto de Assentamento Extrativista foi muito importante. O Fundo Dema pôs um grande foco ali porque, uma vez que se conquista o projeto de assentamento, é preciso fortalecer a área. O fundo então trabalha na implementação de projetos produtivos sustentáveis e no fortalecimento das organizações locais”, afirma Letícia.

Ela prossegue o relato: “Em Lago Grande, as famílias trabalham sistemas agroflorestais em que cultivam espécies típicas da Amazônia. Muito forte ali é o cultivo de curauá, uma fibra natural que é utilizada em vários setores da economia. Açaí também tem sido muito usado pelos agricultores como forma de enriquecer seus Sistemas Agroflorestais (os chamados SAFs). A grande luta ali é fazer uma conversão do sistema produtivo de corte e queima para um sistema de valorização do extrativismo e da agroecologia. Neste sentido, visitamos experiências apoiadas pelo Centro de Apoio a Projetos de Ação Comunitária e pelo Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém, e ficamos muito satisfeitos. A gente viu SAFs de até dez anos, bem consolidados, e percebemos um grande adensamento de floresta, de biomassa, biodiversidade, de área verde. É como se fosse um reflorestamento, mas com a preocupação da segurança alimentar. Nas entrevistas com os moradores, as falas sempre vão na direção de articular a preservação ambiental com a segurança alimentar local”

Na região da BR-163, a realidade é bem diferente. Ali, os projetos apoiados encontram dificuldades muito mais severas. “Na BR-163 é outra Amazônia, a Amazônia das estradas. Ali há uma população migrante, pessoas do Brasil inteiro que vivenviam o avanço da fronteira agrícola e muito desmatamento. Com poucas organizações sociais, a entidade âncora dos projetos é o sindicato de Itaituba. No muncípio de Trairão, que é muito pobre e tem pouca infra-estrutura, visitamos a comunidade do Batata, onde há um projeto apoiado pelo Fundo Dema que enfoca o reflorestamento. Em áreas muito degradadas, foram plantadas essências florestais, como a andiroba, e frutas como o cacau e o açaí. Visitamos três ou quatro famílias e vimos todos bastante satisfeitos. Por exemplo, a gente encontrou uma área onde o morador está fazendo um esforço de reflorestamento com espécies frutíferas, mas o vizinho está fazendo uma derrubada para abrir pasto. O vizinho está foram do projeto apoiado pelo Fundo Dema, mas ambos chamam a área reflorestada de ar condicionado. Porque você está lá naquela poeira, naquele sol forte, e quando entra na área reflorestada é fresquinho, o ar melhora imediatamente”.

Estas experiências são um exemplo miúdo perto da quantidade de outras apoiadas pelo Fundo Dema na região oeste do Pará. Mas é muito útil conhecê-las porque representam o modelo que se quer implementar na Amazônia. Nada de desmate para abrir novos pastos, nada de queimadas para plantio de mais soja. É a vez de deixar as populações rurais da Amazônia traçarem naquele território um caminho de harmonia com o ambiente. Que não significa de modo algum uma opção pela pobreza, mas sim uma forma de crescer que seja mais justa com o meio e com as pessoas, pois desta forma são elas que recebem os principais frutos do desenvolvimento. A visita do Fundo Amazônia foi uma oportunidade para confirmar que este é um caminho possível e urgente. “A gente acha que o Fundo Dema pode dar maior capilaridade ao Fundo Amazônia, porque achamos que ele é uma experiência exemplar de financiamento do desenvolvimento, e uma experiência exemplar de justiça climática, uma forma de fazer justiça a comunidades que prestam um relevante serviço a todos nós”, conclui Letícia.