22/11/2017 11:47
Paulo Demeter¹
O exercício continuado de momentos de reflexão coletiva nas comunidades assessoradas pela FASE na Bahia, utilizando dinâmicas participativas, permitiu a elaboração e permanente atualização de diagnósticos que identificaram os principais problemas enfrentados pelas famílias agricultoras no Vale do Jiquiriça e no Baixo Sul. Este processo de construção de conhecimentos é inseparável de um debate organizado que busca definir propostas sobre alternativas ao agronegócio. Como as causas e as origens dos problemas nessas regiões baianas são muitas e, na maioria das vezes, interdependentes, sua incidência ou relevância podem mudar conforme cada conjuntura. Por isso, a metodologia utilizada pela FASE prevê a discussão e a proposição de formas de enfrentamento às desigualdades.
Entendemos que algumas características essenciais de nossa intervenção educativa devem ser sempre buscadas, preservadas e adaptadas às mudanças no contexto político. As ações da FASE, encaminhadas em cada comunidade ou grupo de agricultores e agricultoras familiares, procuram reunir o máximo de informações possíveis, em uma linguagem acessível à compreensão e avaliação crítica dos sujeitos de cada ação, para que suas decisões sobre quais rumos tomar sejam definidas de maneira efetivamente participativa.
Atualmente, os esforços concentrados do programa da FASE na Bahia na qualificação da organização comunitária, sindical e cooperativista de famílias agricultoras, com apoio da União Europeia², vêm possibilitando assegurar o alcance de objetivos previstos quando do planejamento das ações e a ampliação dos direitos dos grupos envolvidos. Em anos anteriores, estimulamos a diversificação da produção das famílias agricultoras, favorecendo a adoção paulatina e consciente de métodos de produção de alimentos saudáveis, baseados em princípios agroecológicos. Se o aumento do volume de colheitas era um dos objetivos, a possibilidade de autoconsumo de parte desta produção também era algo levado em consideração como um mecanismo para elevar a Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) dessas famílias, bem como de sua renda monetária e não monetária. Os plantios e criações qualificados e conduzidos pelas famílias, a partir da assessoria da FASE, resultaram na disponibilidade de volumes maiores e mais diversificados de alimentos.
Impunha-se, então, a busca organizada de alternativas de comercialização, de agregação de valor aos alimentos cultivados e de agroindustrialização. Isso tudo aliado à continuidade da adoção de métodos e técnicas baseadas na agroecologia. Esta vertente dos trabalhos exigiu uma série de atividades relacionadas à compreensão da importância política de se criar ou fortalecer formas coletivas de produção, beneficiamento e comercialização dos alimentos sem o uso de agrotóxicos, com respeito às culturas locais, ao meio ambiente, dentre outros elementos.
A atuação planejada pelo programa da FASE na Bahia em diversas frentes, tanto no cotidiano das visitas técnicas feitas às famílias agricultoras em suas comunidades; como na condução de atividades coletivas com lideranças e ativistas de associações e da Cooperativa dos Trabalhadores na Agricultura Familiar, Economia Solidária e Sustentável dos Municípios de Mutuípe e do Vale do Jiquiriçá (Coopeípe), alimentava sua intervenção nos Colegiados Territoriais do Baixo Sul e do Vale do Jiquiriçá, e em vários conselhos municipais de políticas públicas. Nesses espaços se dão as disputas pela orientação de determinados aspectos de programas governamentais e pela definição de alguns critérios de alocação de recursos. Foram debates importantes, por exemplo, para adquirirmos mais segurança no momento de reivindicar o que era prioritário à agricultura familiar da região, levando em conta a situação da maioria das famílias e comunidades.
Cabe citar também uma importante etapa nesse processo, iniciada em 2015, quando foi lançado o primeiro edital do Programa Bahia Produtiva. De lá para cá, passos importantes foram dados para a atualização, adequação e regularização da documentação de associações comunitárias e da Coopeípe, e dezenas de famílias agricultoras construíram conhecimentos e acumularam experiências concretas sobre a definição de prioridades, elaboração de orçamentos e divisão de responsabilidades e atribuições entre os associados e as associadas. Essas são ações que serviram tanto para investimentos nos territórios das famílias agricultoras, como para bens, obras e equipamentos de utilização coletiva pelas entidades que tiveram acesso aos recursos. Pouco a pouco, após meses e meses de reuniões nas comunidades e com gestores públicos e de enfrentamento, por parte das lideranças comunitárias, para superar as demandas burocráticas de financiadores, sediados em municípios nem sempre próximos às comunidades, percebemos que os grupos envolvidos passaram a se sentir donos e responsáveis pelos recursos que conquistaram graças a sua organização, luta e persistência.
A partir dessas dinâmicas, os participantes dos diferentes eixos de ações nas comunidades assessoradas pela FASE na Bahia vêm realizando práticas inovadoras, como a captação e o armazenamento de água de chuva em cisternas de placas no Km 17 e na Pindoba, ambas comunidades Laje; a instalação de áreas intensivas de produção de hortaliças, frutíferas, ornamentais e condimentos, integradas à criação de aves; as práticas baseadas no sistema Produção Agroecológica Integrada e Sustentável (PAIS), em que se trabalha a diversificação com plantios de hortaliças e criação de aves, essas com áreas de pastejo formadas com gramíneas e leguminosas, promovidas na comunidade de Tabuleiro da Santa, no município de São Miguel das Matas.
Cabe destacar que várias das famílias agricultoras envolvidas neste ciclo de investimentos, via Programa Bahia Produtiva ou recursos da União Europeia, recebiam assessoria da FASE anteriormente. Sempre que possível, a opção definida por nós implica em ampliar e melhorar o que já existia e vinha dando certo, ao invés de sempre iniciar algo do zero. Com isso, verificamos: a consolidação de sistemas agroflorestais que já tinham algumas etapas iniciais feitas; a capacidade das associações e da Coopeípe em ampliar seus recursos; o comparecimento das pessoas aos mutirões e demais atividades coletivas, dentre outros avanços. O aprendizado duramente construído em anos de lutas para acessar mercados institucionais, principalmente o Programa Nacional e Alimentação Escolar (Pnae), também foi útil para facilitar a adesão de famílias agricultoras às propostas coletivas de beneficiamento e agroindustrialização. Além disso, poucas chances de sucesso, em termos de geração de renda, seriam possíveis se a diversificação e ampliação dos cultivos de alimentos não estivessem acompanhadas de opções viáveis para o escoamento destas produções.
Enfim, as diferentes estratégias fomentadas pela FASE na Bahia, seus parceiros e pelas famílias agricultoras na região são constantemente discutidas e atualizadas. Isso contribui e demonstra que é possível agir coletivamente em favor da soberania alimentar, para a permanência das populações em seus territórios e para o fortalecimento da agroecologia. Essas são ações que cuidam do meio ambiente, geram mais qualidade de vida aos integrantes de associações e cooperativas, além de beneficiar os que consomem os alimentos da agricultura familiar.
[1] Coordenador do programa da FASE na Bahia.
[2] O conteúdo deste artigo é de responsabilidade exclusiva da FASE, não podendo, em caso algum, considerar que reflita a posição da União Europeia.