29/09/2020 09:56
Adhemar Mineiro¹
Os incêndios consomem a Floresta Amazônica e o Pantanal. Ainda em campanha, o então candidato Bolsonaro já alardeava sem nenhuma vergonha sua visão sobre o meio ambiente. Para começar, no seu programa de governo (“O caminho da prosperidade”, Bolsonaro/2018), não há nenhum capítulo sobre meio ambiente, nenhum subtítulo, nenhuma janela. Uma pequena referência, crítica, na página 71 da apresentação, quando fala de energia e pequenas centrais hidrelétricas: “As Pequenas Centrais Hidrelétricas têm enfrentado barreiras quase intransponíveis no licenciamento ambiental.” A única.
Nos Estados, os discursos eram música para os ouvidos de madeireiros, grileiros, garimpeiros e para a turma da acumulação primitiva do agronegócio, em busca da ocupação de terras, os pecuaristas e plantadores de soja. Passaram a ser corriqueiros os ataques às organizações nacionais e internacionais ligadas aos indígenas, aos militantes pela preservação do meio ambiente, às populações locais, como os quilombolas. Mas a ofensiva não para aí, se tornaram alvos as próprias instituições oficiais de fiscalização e proteção. O discurso é de enfrentamento ao meio ambiente e às populações nativas, e de apoio aos seus aliados locais e às ocupações ilegais.
A posse de Bolsonaro marcou a hora de passar a boiada, usando a figura de linguagem do seu ministro de Meio Ambiente. Abriram-se espaços na legislação e regulações, foram reduzidos os orçamentos e a efetividade dos órgãos de fiscalização e controle. Incêndios é o que temos visto desde o ano passado, agravados nos períodos de seca. O fogo, os tratores e a boiada passando por cima dos limites de terras indígenas e das populações tradicionais locais vão destruindo as áreas de proteção, os sonhos dos defensores do meio ambiente e as utopias dos que acham errada a destruição dos biomas. Se a escolha de Bolsonaro é esta, ele tem sido muito bem sucedido na contribuição para o aumento do aquecimento global, agravando ainda mais os problemas para a humanidade.
As imagens da Amazônia em chamas no ano passado, do fogo devastando a floresta e o Pantanal esse ano, com animais silvestres e até as boiadas desavisadas sendo esturricadas, se espalharam pelo mundo, queimando junto a imagem do país. Onde? Exatamente numa área em que o Brasil estava ganhando credibilidade ao participar ativamente de debates sobre as mudanças climáticas, além de ser signatário das principais convenções internacionais que vinham sendo discutidas.
A reação do governo brasileiro é negar os fatos, apesar das evidências demonstradas por sofisticados sistemas de satélites e análises das inúmeras instituições de pesquisa nacionais e internacionais, públicas e da sociedade civil. É um desastre que só piorou as coisas. Tanto que no ano passado, o governo brasileiro fez um movimento ofensivo, mas esse ano, como se viu até no discurso do presidente brasileiro na ONU, no último dia 22 de setembro, a opção foi por uma posição defensiva. Esmagado pelos dados, informações e análises, sem falar da forte rejeição da opinião pública, cada vez menos disposta a ser engabelada, o governo continua achando tudo normal.
O discurso do governo brasileiro convence apenas os que querem ser convencidos, os que ganham no curto prazo com a destruição ambiental e a ocupação das áreas.
O estrago não sairá barato. Em parte, é o próprio custo ambiental, expresso também em custos futuros de recuperação. Mas existe também o custo da piora da qualidade de vida, das oportunidades perdidas para o desenvolvimento da biotecnologia nos inúmeros biomas. Muitos destes custos pela destruição serão pagos por gerações de brasileiros.
Mas existem os custos monetizáveis em divisas, oriundos do afastamento de consumidores que passam a evitar a aquisição dos produtos brasileiros. O custo da perda de investimentos, que já anunciaram através de representantes de vários fundos financeiros, que irão aumentar as condicionalidades para investir e/ou financiar o Brasil, enquanto perdurar o descaso com a preservação.
Todo este conjunto de fatores age fortemente sobre a imagem dos produtos brasileiros, especialmente soja e carnes, associados diretamente, justa ou injustamente, à expansão das queimadas. A “marca Brasil” vai virando tóxica.
Os que já estiveram em supermercados na Europa devem lembrar da identificação dos produtos pela bandeirinha de seus países, especialmente as carnes. Pois bem, tudo indica que os produtos anunciados pela bandeirinha verde-amarela não serão mais bem aceitos. Como muitos são produtos perecíveis, aos poucos iremos ver desaparecerem das gôndolas. É um comportamento defensivo, no qual o consumidor se sente ameaçado pela destruição ambiental incentivada pelo governo brasileiro, atitude que será aproveitada pelos concorrentes internacionais.
Hoje, sequer o Acordo Mercosul-UE, fechado apressadamente por este governo, e em processo de ratificação pelas instâncias legislativas e executivas na UE e no Mercosul, está garantido. Um acordo colonial, em que o Brasil (e o Mercosul) entrega setores industriais, de serviços, a possibilidade de usar compras de governo como estratégia de desenvolvimento, flexibiliza regras e capacidade de fazer políticas públicas em troca de garantias para investidores internacionais e empresas transnacionais (no caso, da União Europeia) em troca de acesso a mercados de produtos primários (do agronegócio e/ou dos mineradores) – abrindo espaço para a expansão da pressão do agronegócio sobre as áreas de proteção. Também corre sérios riscos o Acordo Mercosul-Associação Européia de Libre Comércio (EFTA), com a Suíça, Noruega, Liechtenstein e Islândia, em geral, tem os mesmos princípios gerais e conteúdos comerciais. Ou seja, junto com os biomas brasileiros, queimam a imagem e os mercados do país.
[1] Adhemar Mineiro é economista e membro do Conselho Deliberativo da FASE. Texto publicado originalmente no Blog Terapia Política.