24/01/2006 13:46
Fausto Oliveira
Pelo menos treze índios ficaram feridos na sexta-feira dia 20 de janeiro numa ação violenta e ilegal da Polícia Federal em conluio com a empresa Aracruz Celulose, no Espírito Santo. A Polícia Federal, munida de uma liminar de reintegração de posse em favor da Aracruz, que foi suspensa ainda na sexta-feira, destruiu duas aldeias dos índios Tupinikim e Guarani. Mais de 100 policiais federais de Brasília agiram como segurança privada da empresa: montaram uma base na sede da Aracruz para onde levaram indígenas detidos e ainda contaram com apoio logístico da empresa para destruir moradias e plantações dos índios. O malfeito da PF ainda se estendeu a dois agentes da Funai do Espírito Santo, que foram coagidos a presenciar a operação (leia sobre isso na próxima matéria). Recheado de ilegalidades, o acontecimento mostrou que o poder público esteve a pleno serviço da Aracruz Celulose.
A ação iniciou-se cerca de 11 horas da manhã de sexta-feira passada. Em questão de quatro horas, as aldeias Olho d’Água e Córrego do Ouro haviam sido completamente arrasadas por tratores da Aracruz e por policiais federais. A violência atingiu o cúmulo: muitos tiros foram disparados contra indígenas, inclusive a partir de um helicóptero da PF que voava baixo sobre as aldeias. Bombas de efeito moral foram jogadas nas aldeias. Pelo menos três indígenas homens foram atingidos por balas revestidas com borracha. Dois foram detidos.
Ilegalidade evidente – A ação foi marcada por fatos que podem ser francamente ilegais. Pelo menos quatro crimes contra a administração pública e administração da Justiça podem ter sido praticados, e há testemunhas e provas que servirão em futuras investigações. Os crimes teriam sido: prevaricação (art. 319), advocacia administrativa (art. 321), violência artbitrária (art. 322) e exercício arbitrário ou abuso de poder (art. 350). Diante da mistura de equipamentos e pessoal da Aracruz e da Polícia Federal na ação, é preciso investigar a possibildade da Aracruz ter praticado corrupção ativa (art. 333).
Dois parlamentares e dois funcionários da Funai do ES viram um imenso aparato de guerra da PF e da PM do Espírito Santo na sede da Aracruz. Uma das testemunhas é a deputada federal Iriny Lopes (PT-ES), que falou ao Fase Notícias. “Fui à sede da Aracruz torcendo para não ser verdade, mas quando cheguei lá vi uma relação promíscua da PF com a empresa. Na minha opinião, ali houve prevaricação”, disse ela. A funcionária da Funai Maria de Fátima Oliveira, que foi levada à sede da Aracruz à força, relatou ao Fase Notícias que viu na sede da Aracruz “um ônibus da PF, duas vans Sprinter da PF, vários camburões da PF, uma viatura da PM, carro de bombeiro e mais ou menos 120 policiais. Era um aparato de guerra”, disse.
A sede da Aracruz também foi usada como local de detenção e depoimento dos índios detidos. “Ali foram ouvidos dois índios detidos. Índios na Aracruz para prestar depoimento é ilegal. O depoimento teria que ser tomado em uma delegacia local”, diz a deputada Iriny Lopes. Assim como ela, o deputado estadual do ES Carlos Casteglione (PT) também testemunhou a promiscuidade entre a PF e a Aracruz.
As tantas e patentes ilegalidades da ação não pararam por aí. A ordem judicial determinava que a Funai deveria ter sido avisada da reintegração de posse. Não foi. O Ministério Público Federal, que há anos intermedia a questão indígena no ES, também deveria ter sido avisado. Não foi. Os índios, que há meses ocupam as mesmas terras de onde foram expulsos pela Aracruz há quarenta anos, deveriam ter sido notificados. Não foram. Além disso, houve o escandaloso caso de coação dos dois funcionários da Funai. Sobre isso, leia a próxima matéria.
A deputada federal Iriny Lopes conversou com os três delagados da Polícia Federal responsáveis pelas enormes arbitrariedades e ilegalidades, e deu o primeiro nome de cada um ao Fase Notícias. São eles: delegado Marcos, delegada Graziela e delegado Delano. O superintendente da Polícia Federal no Espírito Santo, Dr. Guimarães, se recusou a participar da operação alegando falta de contingente.
O saldo final – Depois que a Polícia Federal destruiu a aldeia Córrego do Ouro, partiu para destruir a aldeia Olho d’Água, alguns quilômetros dali. Nesse ínterim, o procurador da República André Pimentel acionou a Justiça e a liminar que dava reintegração de posse à Aracruz foi suspensa. Por isso, no sábado os índios começaram a reconstruir suas aldeias. Agora, há uma disputa jurídica: movimentos de apoio aos indígenas como a Rede Alerta contra o Deserto Verde consideram que a aldeia Olho d’Água não chegou a ser reintegrada à Aracruz. Além disso, as arbitrariedades e ilegalidades da PF vão lhe render pelo menos dois processos: um prometido pela deputada Iriny Lopes e outro pelos funcionários da Funai no Espírito Santo.
O porquê – A histórica disputa entre índios Tupinikim e Guarani e a Aracruz Celulose começou nos anos 60 do século passado. Quando a multinacional chegou ao Espírito Santo, promoveu fraudes documentais em escala industrial a fim de “comprovar” que eram suas terras que sempre foram habitadas por indígenas. Assim, começou a expulsá-los, sempre com apoio dos governos locais. Na década de 80, os indígenas que restaram se organizaram para retomar suas terras através de processos de demarcação na Funai. Ao longo dos últimos 25 anos, ficou mais que provado que os Tupinikim e Guarani têm direito pleno a 11.009 hectares hoje ocupados pela Aracruz. Nesta área, ela plantou uma monocultura de eucalipto (para produção de celulose) que secou riachos e córregos e condenou o solo da região. Em meados do ano passado, descontentes com a demora do governo federal em assinar uma portaria declarando que os 11.009 hectares são seus, os indígenas resolveram auto-demarcar a terra. O que ocorreu na sexta é uma reação desesperada do mandonismo da Aracruz, acostumada a receber favores do governo, mesmo à custa de vidas humanas.