23/07/2006 13:50
No último dia 20 de janeiro, o Brasil voltou para a época da ditadura militar (1964-1985) quando os direitos humanos eram sistematicamente violados e as instituições incapazes de proteger e defender os cidadãos contra as agressões do Estado autoritário. Três delegados e 120 agentes da Polícia Federal do Comando de Operações Táticas de Brasília, efetuaram uma operação de guerra para retirar os índios Tupinikim e Guarani dos 11.009 hectares de terras que estes haviam retomado pacificamente em maio de 2005. Estas terras estavam em poder da Aracruz Celulose há quase 40 anos. A ação policial foi realizada em base de uma liminar de reintegração de posse concedida pelo juiz federal de Linhares -ES, Rogério Moreira Alves, no dia 07 de dezembro de 2005 em favor da empresa Aracruz Celulose S/A.
Estamos perplexos e chocados, e sentimos uma profunda revolta perante esta ação policial, já que vivemos num país considerado democrático, signatário do Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais, e comandado por um ex-trabalhador e ex-perseguido pela ditadura militar: Luíz Inácio Lula da Silva.
É bom esclarecer que:
1. Desde que os Tupinikim e Guarani autodemarcaram os 11.009 ha de terras que a eles pertencem, conforme estudos realizados pelo Governo Federal, através da FUNAI, e reconhecidos pelo ex-Ministro da Justiça Ìris Rezende, em 1998, a Aracruz tem afirmado constantemente que é contrária ao uso de violência contra os Índios. No entanto, a Aracruz foi a articuladora da presente ação que deixou pelo menos 13 feridos dos quais 2 tiveram que ser atendidos no hospital de Aracruz Um deles, João Mateus – Cacique de Comboios – ficou sozinho no mato por várias horas, ferido, enquanto perdia muito sangue. Os índios foram feridos por balas comuns envolvidas por borracha para não matar, disparadas por agentes federais, também armados com bombas de efeito moral e metralhadoras. Durante mais de uma hora, na aldeia Olho D’Água, o helicóptero da Polícia Federal ficou “caçando” índios no meio do eucalipto. Duas lideranças indígenas foram presas e sofreram várias agressões. Um deles, Paulo de Oliveira, foi espancado e teve seu braço quebrado pelos agentes. É bom registrar que as máquinas utilizadas para derrubar todas as casas nas aldeias Córrego do Ouro e Olho D’Água são da empresa Aracruz. Em Olho D’Água, os policiais ainda atiraram fogo em tudo. Apesar da sua truculência, a Polícia Federal não conseguiu retirar os índios de Olho D’Água, cuja reconstrução já foi iniciada pelos índios.
2. O Ministério Público Federal do Espírito Santo não foi intimado, apesar de constar da liminar. À FUNAI em Brasília foi dado ciência, mas o Administrador Regional do órgão, Waldemar Krenak, e os Chefes dos Postos Indígenas, Ronaldo Batista e Maria de Fátima Oliveira, afirmaram que não foram sequer comunicados sobre a ação policial. O Procurador da República no Espírito Santo, André Pimentel classificou a ação como “totalmente ilegal”. Os dois funcionários da FUNAI, Ronaldo e Fátima, disseram que foram coagidos pelos policiais federais e levados até a Casa de Hóspedes da Aracruz Celulose S/A, onde funcionou o quartel-general da operação. Aí tomaram conhecimento do mandado judicial e intimados a acompanha-los na operação. Para este lugar também foram levados presos dois índios, onde permaneceram algemados por várias horas. Este fato, do QG da operação ficar em instalações da Aracruz Celulose, foi comprovado pela deputada federal Iriny Lopes e pelo deputado estadual Carlos Casteglione, que estiveram no local na noite do dia 20.
3. A Polícia Federal brasileira, está administrativa- e politicamente subordinada ao Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, responsável, portanto, pela ação. O que nos espanta é que o Ministério da Justiça havia chegado a um entendimento com as comunidades indígenas sobre o cronograma de reconhecimento oficial dos 11.009 ha de terras Tupinkim e Guarani em questão, com participação da FUNAI, do MPF, da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal, de parlamentares estaduais e entidades de apoio e tinha se comprometido a evitar uma ação de retirada dos índios.
4. Constatamos que esta ação foi cuidadosamente planejada para um mês em que muitos brasileiros(as) costumam tirar férias, diminuindo o ritmo de funcionamento de muitas instituições governamentais e não-governamentais. Além disso, os que planejaram a operação escolheram uma 6ª-feira, certamente para buscar minimizar ainda mais a repercussão na opinião pública nacional e internacional e reduzir as possibilidades de suspender a ação policial pelas vias jurídicas e/ou políticas. Quando a liminar foi suspensa pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região no Rio de Janeiro ainda no dia 20, a expulsão dos índios da aldeia Córrego do Ouro já havia sido concretizada.
Queremos expressar aqui nossa solidariedade às comunidades Tupinikim e Guarani, a seus caciques e lideranças, e elogiar sua coragem e determinação. Esperamos que esta ação violenta consiga fortalecer ainda mais a união destes povos, junto a seus aliados. Certamente, a luta dos Tupinikim e Guarani será vitoriosa porque ela se baseia num direito incontestável e é travada de forma pacífica, por caciques e lideranças que se preocupam com o futuro do seu povo. E certamente, a Aracruz não ganhará esta batalha, já que ela optou pelo caminho da mentira e violência, tudo isso para garantir o aumento dos lucros dos seus acionistas.
Solicitamos a todos(as) que se manifestem em relação a esta ação contra os Tupinikim e Guarani, e a favor da demarcação das suas terras. Neste momento, a colaboração de todos(as) que apoiam esta luta é importante!
REDE ALERTA CONTRA O DESERTO VERDE