09/07/2014 17:53
Recentemente, foi aprovado na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) 7168/14, que regula as relações entre as Organizações da Sociedade Civil (OSCs) e as várias instâncias do poder público. A nova legislação precisa ainda da sanção da presidenta Dilma Rousseff para entrar em vigor.
A Plataforma por um Novo Marco Regulatório para as Organizações da Sociedade Civil, da qual a FASE faz parte, destaca que o texto é resultado de inúmeras rodadas de consultas e debates públicos entre organizações que lutam há mais de dez anos pelo avanço da legislação do setor.
Entre as inovações do projeto de lei, aprovado na quarta-feira (2), estão: a exigência de qualificação das organizações, a desburocratização dos orçamentos e a maior segurança jurídica na prestação de contas. Nesta entrevista, Jorge Eduardo Durão, assessor da diretoria da FASE, comenta aspectos políticos da recente aprovação. “Esse foi apenas um passo inicial”, avalia.
Por Luana Marfim*
Quais os problemas e dificuldades que as OSCs enfrentavam com a antiga legislação? Por que essa nova lei se faz necessária?
A legislação era inadequada principalmente porque não levava em conta as especificidades das organizações. Hoje o grau de exigência para o repasse de recursos públicos é imenso, existe muita rigidez de controle e a nova legislação tende a simplificar isso. Mas falta ainda uma política de fomento, uma política sistemática de Estado para fortalecer essas organizações que vêm sendo criminalizadas e, muitas vezes, apresentadas como responsáveis por desvios de recursos públicos. O novo projeto de lei enfrenta somente um dos temas problemáticos da legislação atual, que é a questão do repasse de recursos públicos do Estado para as OSCs. É claro que existem mais temas que não foram abordados.
Outra questão é a da prestação de contas. Na legislação anterior ela era feita de maneira extremamente complicada, o que com frequência provocava a penalização das entidades por questões formais e burocráticas. Fazia-se uma série de exigências que inviabilizava a atuação das organizações, sobretudo em regiões mais remotas como em municípios do interior da Amazônia e do Nordeste.
Qual o maior avanço dessa nova lei aprovada?
É a proibição de um antigo instrumento de repasse de recursos públicos: o convênio. Ele era utilizado para regular os repasses da União para estados e para municípios, o que levava à tendência de equiparar indevidamente as OSCs a órgãos governamentais. Agora, foi adotado o Termo de Colaboração, que é exclusivo para reger as relações entre o governo e as organizações.
Em termos políticos, o que você acha que a aprovação do projeto de lei representa?
Esse projeto de lei resultou da tramitação de vários projetos, tanto no Senado quanto na Câmera, e acabou sendo aprovado por acordo de lideranças, ou seja, não houve oposição a ele. No Congresso Nacional existe um ambiente não muito favorável às OSCs. Elas são frequentemente objetos de ataques. São vistas como inimigas pela bancada ruralista, pelos evangélicos e fundamentalistas que são contra as organizações de mulheres, as organizações que lutam pelos diretos sexuais, contra o racismo, enfim… Há várias causas que não são vistas com simpatia por setores de peso.
Então, essa questão não está totalmente clara do ponto de vista do significado político. Alguns entendem que essa é uma lei para controlar as organizações e outros entendem que a lei facilita a atuação delas. Para mim essa ambiguidade não está resolvida. A prova disso é que ao mesmo tempo em que o Congresso aprova esse projeto, há uma resistência muito forte ao decreto que cria a Política Nacional de Participação Social (PNPS), que inovou pouca coisa em relação ao que já existia em matéria de participação. Praticamente só sistematizou e ordenou aquilo que já existe: os conselhos de políticas públicas e as conferências. Além disso, trata-se de um decreto e pode ser revogado sem dificuldade.
Outra coisa que precisamos atentar é como os órgãos de controle vão absorver essa nova legislação, principalmente o TCU [Tribunal de Contas da União]. Muitas vezes uma lei nova entra em vigor, mas o “espírito” dela não cola, continua vigorando a antiga mentalidade. Certa vez, numa oficina em que participei, um funcionário do Ministério de Planejamento me disse: “quando uma organização recebe qualquer repasse de recursos públicos, para nós se equipara a um órgão do Estado”. Quer dizer, é a assimilação das OSCs como um braço do Estado. Essa é uma visão autoritária.
E esse projeto de lei incomoda mesmo a extrema direita? Ou tem sido visto somente por esse ângulo distorcido de provocar mais controle sobre as OSCs?
Não houve nenhuma resistência concreta. Só espero que nós não estejamos superestimando os benefícios do projeto. Acho que ele é apenas um passo inicial.
Sendo esse o passo inicial, quais são os próximos?
Bom, provavelmente o PL vai ser sancionado sem o veto de nenhum artigo importante. Depois, deve haver a regulamentação da lei por decretos do Executivo. Nesse momento é que vamos começar a perceber se, dentro da burocracia estatal, a velha mentalidade vai tentar recolocar na aplicação desse novo instrumento legal os mesmos problemas, as mesmas restrições e as mesmas dificuldades que havia na legislação anterior.
*Estagiária de Comunicação da FASE.