22/06/2022 13:11
Por Liana Melo — Para o Prática ESG, do Rio
Se é sabido que as mudanças do clima não afetam igualmente a todos, o passo seguinte para qualquer remediação é entender como compensar os que sofrem mais e prevenir danos futuros. Um exemplo de movimento neste sentido aconteceu em 2003, no Brasil. Seis mil toras de mogno, madeira nobre da Amazônia, que saíram ilegalmente dos municípios de Altamira e São Félix do Xingu, ambos no Pará, foram apreendidas. A região era rota tradicional de comércio ilegal de madeira. Por pressão dos movimentos sociais locais da Transamazônica e Xingu, a madeira embargada foi a leilão e o dinheiro arrecadado – R$ 8 milhões – convertido em um fundo fiduciário vitalício. Assim nascia o Fundo Dema, um dos primeiros projetos de justiça climática apoiado pela Open Society no Brasil, fundo filantrópico do magnata George Soros.
Na prática, o Dema é um fundo de justiça socioambiental cujo recurso financia um total de 600 projetos coletivos dos “Povos da Floresta”, envolvendo indígenas, quilombolas, comunidades extrativistas, ribeirinhas e agricultores familiares. A ONG Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE) é quem administra o dinheiro, que hoje soma cerca de R$ 18 milhões, já com doações. Ainda que a FASE tenha sido escolhida como responsável jurídica e administrativa do fundo, sua governança cabe a um comitê gestor, que é formado por organizações e movimentos sociais que atuam na região da Amazônia Legal.
O que iniciativas como essa fazem é uma tentativa de reparação social, que tem se consolidado na academia sob o nome de justiça socioambiental ou climática. A Rede Jandyras – Rede de Articuladores Ambientais, gerida pela organização Ame Tucunduba, de Belém (PA), é outro projeto apoiado pela Open Society e que trabalha nessa linha. O foco prioritário da atuação são as mulheres. “Porque são elas as principais impactadas pelas mudanças climáticas”, comentou Micaella Valentin, diretora-presidente da Ame Tucunduba.
No ano passado, a Rede Jandyras organizou um grupo de discussão com 40 mulheres para ampliar a participação feminina no debate político das agendas ambientais da cidade. As mulheres selecionadas eram prioritariamente não-brancas, moradoras de bairros periféricos e ilhas da região. Juntas, elas construíram uma agenda climática para a cidade, incluindo saneamento básico, justiça racial, infância e clima, moradia e habitação. Uma carta-compromisso foi entregue à Câmara de Vereadores e foi prometida a criação de um fórum municipal de mudança climática no plano plurianual de Belém.
A análise de gênero pode ser considerada uma das mais importantes dentro da justiça climática, argumenta Letícia Teixeira Lima, autora do livro “Mulheres e (in)justiça climática no Antropoceno”. No trabalho, ela evidenciaque os desastres ambientais, apesar de não conhecerem fronteiras territoriais, não são igualmente sentidos por todo mundo da mesma forma. “As demandas específicas das mulheres costumam ser invisibilizadas”, defende.
Lançado no ano passado, o livro faz parte do trabalho de pesquisa que a advogada desenvolve junto ao Grupo de Pesquisa Direito, Ambiente e Justiça no Antropoceno (Juma), vinculado à Coordenação de Direito Ambiental do Núcleo Interdisciplinar de Meio Ambiente (Nima-Jur), da PUC-Rio. Letícia defende no seu livro que “sem a lente interseccional, os problemas climáticos seriam vistos apenas do ponto de vista ambiental ou, no máximo, social, enquanto os problemas específicos das mulheres não seriam sequer observados”. Para ela, quanto mais agregar características à discriminação de gênero, como cor, classe, orientação sexual, etnia e nacionalidade, mais injustiça há.