10/07/2022 10:00
*Paula Schitine
“Justina traz muitas definições. é um revisitar de nossa ancestralidade”, é a descrição na introdução do livro Ubuntu Justina!, no texto das organizadoras da publicação.
O livro é resultado de um trabalho conjunto com e de teor afetivo e histórico. As fotos foram feitas por participantes de uma oficina de cultura digital realizada pela FASE no Mato Grosso. E os textos foram organizados por três grandes conhecedoras da comunidade, Laura Ferreira (filha), Gilda Portela (amiga) e Silviane Ramos (amiga).
Ubuntu significa, na cultura africana, “eu sou porque nós somos” e diz muito sobre a história de união e resistência da comunidade Quilombo Ribeirão da Mutuca, na baixada cuiabana, em Mato Grosso. Justina Ferreira da Silva, de 66 anos, como diz no livro é “mulher, negra, quilombola, cozinheira, doceira, mãe e avó e está à frente da cozinha da comunidade há mais de cinquenta anos, sendo que desde os quatro já participava de ‘muxiruns’ de plantio ou de fiar algodão. “Eu não esperava essa homenagem mas eu fiquei muito feliz porque o povo foi reconhecer a Justina lá na cozinha”, lembra ela.
A família de dona Justina é grande, ele é mãe de Laura, Oildo, Wilson, Leila, Iolanda e Jonathan, avó de Rayane, Eduarda, Gabrielly, Lhuan, Yohanna e João Pedro, e bisavó de Dandara. “Foi muito importante ter esse livro para os meus netos verem como era no passado, quando nós não tínhamos o que comer, roupa para vestir. A gente vestia saco e comia o que tinha, e assim mesmo eu era feliz. O que me importa é ser feliz, e a beleza vem de dentro”, ensina.
Mestra dos processos culinários e das receitas que envolvem culturas de roças e quintais, dentre elas, o principal ingrediente, a banana, da terra, nanica, prata, amarela ou verde. Nas mãos de dona Justina viram doces, balas, licores e até farinha.
O Quilombo da Mutuca: história de resistência
Segundo a história: após a abolição da escravatura, os descendentes de africanos escravizados foram deixados à margem dos serviços sociais de atribuição do estado. As chamadas comunidades negras rurais, em particular após a ‘abolição’, ficaram praticamente sem qualquer assistência da parte dos órgãos oficiais, por falta de serviços sociais básicos, imprescindível ao exercício da cidadania e socialmente muito distante de outros grupos sociais que habitam no meio rural.
No Estado de Mato Grosso existem mais de 55 comunidades remanescentes de quilombolas. Dentre as que são reconhecidas está a “Comunidade Mata Cavalo, que abrange as comunidades: Aguassú; Ourinhos; Ponte da Estiva; Mutuca; Capim Verde; Mata Cavalo de Cima e Mata Cavalo de Baixo, sendo cada uma com a sua associação. A comunidade Mata Cavalo, que teve suas terras tituladas, mas mesmo assim, ainda não tem a posse plena da área, pois parte da mesma, ainda encontra-se em poder de fazendeiros e de famílias sem terras.
Foi preciso muita luta e resistência para conviver sob a pressão dos vizinhos. Laura, a filha de Justina e ex-presidente da Associação da Mutuca, lembra que os quilombolas eram cercados por capangas e cadeados. “A gente ficava aprisionado no fundo porque Para sair das nossas terras tinha que passar pelas deles que eram trancadas. E além disso, os nossos direitos eram violados porque os policiais e delegados ficavam do lado dos fazendeiros”, lembra. Ela conta que o processo de reconhecimento do território se deu nos anos 1996 como comunidade quilombola, mas que só conseguiram a certificação em 2006 com a Fundação Palmares.
Hoje, como forma de geração de renda e maior visibilidade, a comunidade realiza anualmente a “Festa da Banana Quilombola”, que faz parte do Roteiro de Produção Associado ao Turismo. “A festa tem um cunho político, econômico e social, porque nós estamos mostrando que lutamos pelo nosso território para plantar produzimos na nossa terra e é para isso que queremos o nosso território para produzir”, afirma Laura Ferreira.
Agroecologia e Futuro
O processo produtivo está em plena expansão. Tanto o planejamento quanto a produção tem assessoria da FASE que apoiou a Associação da Mutuca no projeto “Agregação de Valor e Consolidação de Mercados”, financiado pela DGM-Brasil.
Além do plantio e processamento da banana, a comunidade também produz mel. E ainda existe uma sala de informática e reunião para os agricultores, numa parte social do projeto.
“A gente trabalha muito com projetos para fortalecer a identidade da comunidade e uma das ações que a gente vem estimulando é a sistematização desse histórico de luta, seja via vídeos, fotos e documentários e quando saiu o edital de um livro pela secretaria de cultura, a gente achou que seria uma boa oportunidade para que a comunidade ficasse conhecida a nível de estado. E então unimos as produções das oficinas nesse livro”, conta Fran Paula, educadora da FASE no Mato Grosso.