13/07/2012 21:04
De 15 a 22 de junho, enquanto recebeu a Cúpula dos Povos, o Aterro do Flamengo era um lugar cheio de vida! É claro que este espaço público do Rio de Janeiro não é “morto” em outras ocasiões, mas aqui falamos de movimento, diversidade, resistência e esperança em grande concentração. Estas são algumas das imagens que a FASE evoca ao fazer uma primeira avaliação da Cúpula, processo no qual apostamos nos últimos dois anos como construção coletiva junto com redes, entidades e movimentos sociais nossos parceiros. Em cada uma das tendas e também nos espaços livres do Aterro, nos Territórios do Futuro pela cidade ou nas 12 manifestações que tomaram as ruas do Rio, acreditamos que houve demonstrações suficientes de que a sociedade civil brasileira – movimentos sociais, ONGs, coletivos, cidadãos e cidadãs – está viva e demanda, junto com a sociedade civil planetária, uma mudança urgente do modelo de desenvolvimento atual.
Ao longo da Cúpula as visões comuns foram se consolidando e tornando possíveis os consensos presentes na declaração final: a crítica ao capitalismo verde ; os bens comuns são da humanidade e é assim que devem ser valorizados; resistimos à financeirização da natureza; apostamos no fortalecimento dos direitos e em formas de produção e consumo que apontam para outra organização da economia. Assim, podemos afirmar uma vitória, ao menos provisória ou parcial, sobre o ambientalismo de mercado. Afinal, cumprimos o que dizia a convocatória do grupo facilitador brasileiro lançada no início de 2011, reafirmado pelo documento de posição da FASE: chamamos a atenção sobre “a gravidade do impasse vivido pela humanidade, e sobre a impossibilidade do sistema econômico, político e cultural dominante apontar e conduzir saídas para a crise”. Com atividades como a inauguração de uma cisterna de placas no Complexo do Alemão – unindo o conhecimento e a resistência do semi-árido e da Mata Atlântica, do sertão e da favela – buscamos também “afirmar e mostrar outros caminhos possíveis”.
Para a FASE, a Cúpula foi também vitoriosa ao apostar na construção de convergências. Pra isto, a metodologia – temas agregadores, plenárias, assembléias – foi fundamental, garantindo a pluralidade e a diversidade presentes nas atividades auto-gestionadas, porém, combinando-as com momentos de análise, construção de lutas e propostas comuns. Este pode ser considerado um salto de qualidade em relação ao Fórum Global de 92, quando os debates – das mulheres, dos agricultores, dos ambientalistas, dos cidadãos por direito à cidade – se organizavam de modo setorial e temático. Caminhar no sentido de um documento final, que expressa a voz da unidade na diversidade que se ouviu no Aterro, é outro ponto positivo, que colhe a experiência de uma década de Fórum Social Mundial, mas propõe um passo adiante. Avaliamos que agora é necessário seguir em processos de convergência e diálogo para que, a exemplo de 92, este seja o início de um novo ciclo de lutas. Neste sentido, é preciso avaliar também fragilidades do nosso processo, como as lacunas na articulação internacional e a formulação de sínteses sobre as alternativas, que existem – sabemos – no cotidiano dos territórios em todas as regiões do mundo, mas não transparecem sistematizadas a contento na Declaração Final.
Também há muito que trabalhar frente às grandes corporações. Em nossa avaliação, elas não vieram ao Rio de Janeiro para travar debates, mas para mostrar o que chamam de alternativas tecnológicas – e nós chamamos de falsas alternativas. Marcaram posição na mídia e ocuparam grande espaço na Rio+20 – não é difícil constatar que as Nações Unidas estejam capturadas pelo lobby das empresas. E é lamentável assistir ao resultado da conferência oficial: apesar de não nos surpreender, seu fracasso superou nossos piores temores.
Nós nos preparamos para a batalha contra o ambientalismo de mercado e o capitalismo verde, mas não foi esta a contradição principal. A crise global levou a Conferência da ONU a posições no campo defensivo e de manutenção das bases de sustentação do crescimento econômico a qualquer custo. O impasse entre os blocos de poder em que se dividem os Estados bloqueou um consenso em torno da reciclagem do modelo dominante e da emergência do capitalismo verde como nova proposta hegemônica. Evidência disto foi a recusa à constituição de um fundo para o desenvolvimento sustentável no montante de 30 bilhões de dólares, quantia irrisória se comparada com as centenas de bilhões de dólares destinados à retomada do funcionamento do capitalismo nas mesmas bases predatórias de sempre.
Cabe ressalvar que, se a declaração da Conferência não consagrou – com a centralidade que alguns pretendiam – o projeto da economia verde de mercantilização e financeirização da natureza, o espaço dado na Rio+20 para o setor privado o deixou avançar nessa direção, inclusive apresentando a sua “Declaração de Capital Natural” na qual são chamados de “ativos” bens comuns como a água, o ar, o solo e as florestas.
Nosso primeiro balanço sobre a Cúpula dos Povos é resultado também de nosso diagnóstico das contradições e falhas no processo oficial. E da triste constatação de que temos como resultado da Rio+20 o mais baixo patamar possível de compromisso com a sustentabilidade e o enfrentamento da crise global. Adicionalmente, temos consciência do contexto de fragmentação da esquerda no qual todo o processo de organização da Cúpula foi realizado. Não é por outro motivo que ressaltamos este momento da Cúpula dos Povos como de importantes conquistas políticas, sobretudo em um cenário de criminalização dos movimentos sociais e ONGs. Em muitos aspectos ganhamos a disputa e mostramos para a sociedade que um mundo com Justiça Social e Ambiental será construído a partir das nossas lutas e propostas.. É preciso agora fortalecer os caminhos para seguirmos adiante.
*Registro fotográfico – A diversidade da Cúpula: Matheus Otterloo/ FASE Amazônia – Fundo Dema