15/09/2022 17:23
*Paula Schitine / **Pablo Vergara
No período de 12 a 14 de setembro de 2022, o Fórum Nacional pela Reforma Urbana, a Plataforma de Direitos Humanos DHESCA Brasil, a Campanha Despejo Zero e o Conselho Nacional dos Direitos Humanos, além de entidades e movimentos populares, incluindo a FASE, realizaram a Missão de denúncia de Violações do Direito à Moradia em Petrópolis e no Rio de Janeiro, no estado do Rio de Janeiro.
A missão tem como objetivo averiguar nos territórios as violações de direitos relacionados ao contexto da falta de moradia e das ameaças de despejo. “Durante as visitas, os relatores da missão fazem o levantamento de violações de Direitos Humanos em casos e áreas em que o direto à moradia está em risco. Eles escutam os moradores, as lideranças, as queixas, as demandas e necessidades daquela população, incluindo questões de saúde, de educação, de assistência social e os desafios trazidos com o período da pandemia. Por fim, esses relatos são consolidados para darem visibilidade às violações e para serem entregues às autoridades competentes”, explica Bruno França, educador da FASE Rio.
O assessor jurídico do Centro de Direitos Econômicos e Sociais (CDES, de Porto Alegre) e relator-representante do Fórum Nacional pela Reforma Urbana, Cristiano Muller, afirma que esta é a sexta missão-denúncia desta rede, que começou em outubro do ano passado. “Já visitamos Manaus, Fortaleza, Porto Alegre, Natal, Goiânia e agora Rio de Janeiro. O quadro brasileiro é um quadro trágico de violação do direito à moradia, com uma total falta de políticas habitacionais e um descompromisso com a dignidade humana”, avalia. “Pessoas estão ocupando áreas irregulares informalmente, ou que não têm condições nenhuma de garantir moradia por conta própria. São populações vulneráveis que contra elas pesam todas as violações e o Rio de Janeiro não é diferente disso”, conclui.
A missão em Petrópolis e no Rio
O Rio de Janeiro é o segundo estado brasileiro que mais despejou famílias durante a pandemia. De acordo com dados da Campanha Despejo Zero, um total de 5.590 famílias foram despejadas de suas casas e moradias, de março de 2020 até maio de 2022. Outras 3.481 famílias seguem ameaçadas no Rio de Janeiro.
A primeira região visitada pela Missão foi Petrópolis, cidade da Região Serrana do Rio, que viveu a pior tragédia da sua história no início de 2022, com a perda de 234 vidas e o desaparecimento de 3 pessoas. Foram percorridos alguns territórios afetados e comunidades que surgiram e/ou foram reocupadas pelos sobreviventes, como as comunidades Caxambu, Unidos Venceremos, São Francisco de Assis e Vale do Cuiabá.
“No Vale do Cuiabá, cenário dos dramáticos deslizamentos em 2011, muitas famílias vitimadas até hoje não foram atendidas com unidades habitacionais e ainda seguem com o auxílio do aluguel social, vivendo em situação muito precárias, não mais no território, que foi totalmente destruído”, relata Bruno França. “Em algumas regiões ali próximas, o curioso é que hoje você não vê vestígios daquele desastre. A área hoje foi repovoada, não pelos mesmos habitantes, mas por pessoas com maior poder aquisitivo que transformaram o local quase que em um condomínio privado com mansões”, completa.
Já no Rio de Janeiro, a missão visitou oito ocupações de moradia na região central da cidade com dimensões e estruturas organizacionais diversas. O coordenador da FASE Rio, Aercio B. de Oliveira, explica que ” a missão é importante para exigir do poder público e do sistema de justiça o comprometimento com o fim da violação ao direito humano à moradia. A situação é gravíssima. Na pandemia da covid-19 aumentou o número de ocupações espontâneas no centro do Rio, sem vínculo com movimentos sociais que lutam por moradia. E mesmo com o alívio da pandemia contínua a falta de emprego, o aumento da inflação. Essas famílias das ocupações vivem num ambiente degradante”, diz o coordenador.
A advogada popular que atua na Campanha Despejo Zero e relatora da missão, Gabriela Ortega, constatou nas visitas, que a pandemia agravou ainda mais a situação de déficit habitacional nas cidades. “As violações vão desde a falta de acesso ao saneamento básico, de água, de luz. Inclusive a gente nota nessas ocupações pessoas que já vêm do terceiro, quarto, quinto despejo. E muitas destas pessoas estavam em situação de rua”, afirma.
Sobre a construção de políticas públicas para resolver de forma eficaz o problema, ela não vê uma perspectiva definitiva a curto prazo, mas avalia ser importante dar visibilidade a esta população especialmente no momento das eleições. “A gente tem que pensar numa mudança estrutural, mas eu acho que nesse momento de eleição a gente tem possibilidades de mudanças de postura tanto no Governo Federal quanto nos estaduais e no Congresso Nacional. Eu acho que é fundamental a gente levantar essas denúncias agora”, completa.
As mulheres nas ocupações
As mulheres geralmente representam maioria nas ocupações visitadas. E elas muitas vezes são lideranças, com um importante papel na organização cotidiana e no diálogo dentro e fora das moradias. É o caso de Maria Aldeiane Sobral de Sena, coordenadora da Ocupação Almirante João Cândido, no centro do Rio. A ocupação foi realizada há três anos, um pouco antes do início da pandemia e abriga 16 famílias com cerca de 40 moradores, sendo que 60% fazem parte da população LGBTQIA+. O prédio que pertence juridicamente à Academia Brasileira de Letras e que ficou anos sem cumprir sua função social, hoje conta com uma biblioteca e dois pátios de convivência para os moradores, e é alvo de constantes ameaças: “Já fomos ameaçados de remoção pelo tráfico e pela milícia e seguimos resistindo. Essa ocupação mudou a minha vida, como a vida de tantas mulheres como eu, nordestina, pobre e sem estudo”, diz a ex-catadora de latas que hoje é estudante universitária.
Na ocupação Marielle Franco, no Catete, zona sul do Rio, não é diferente. A ambulante Simone da Silva Santos e o companheiro trabalham no centro há vinte anos, mas com a pandemia o movimento quase parou e ela que pagava um aluguel de R$ 600 precisou se mudar. O casal vive com uma das cinco filhas, de cinco anos, e Simone diz que não pretende sair. “Eu perdi meus documentos e por isso não consegui auxílio emergencial, agora que eu recuperei, espero poder continuar aqui”, comenta.
*Paula Schitine é jornalista da comunicação da FASE
** Pablo Vergara é fotógrafo oficial do Fórum Nacional da Reforma Urbana