21/10/2013 16:11
Jorge Eduardo S. Durão
É possível que o cenário político eleitoral de 2014 abra para os movimentos sociais – renovados e fortalecidos a partir de junho – e para as ONGs que atuam na perspectiva dos direitos uma inédita oportunidade de acumularem forças para suas plataformas de luta por alternativas ao atual desenvolvimento, ao invés de permanecerem caudatários de um projeto de poder com o qual se sentem cada vez menos identificados.
Diante da decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que impediu o registro da Rede Sustentabilidade e a levou a se filiar ao PSB, Marina Silva caracterizou o seu acordo com o partido liderado por Eduardo Campos como uma aliança programática e não pragmática. Marina parece convencida de que seus novos companheiros de partido sabem “exatamente que estão entrando em uma lógica que se for para ganhar tem que ganhar ganhando, e não ganhar perdendo. Porque se for para ganhar perdendo eu acho que os que estão aí têm até mais competência para fazer isso. A Dilma já sabe essa lógica e imagino que encarar um segundo desafio sabendo que é nessa lógica aí estabelecida deve ser algo muito doloroso” (entrevista ao Globo em 09/10/2013).
Além de manifestar essa convicção, Marina não hesitou em testar na prática o estilo de fazer política e o leque de alianças do PSB. Nessa mesma entrevista detonou as negociações entre Eduardo Campos e políticos da direita, como Ronaldo Caiado. Em relação ao líder dos ruralistas, Marina deixou claro que, “se prosperar a contribuição da Rede, é obvio que o (deputado Ronaldo) Caiado (DEM-GO) não se sentirá confortável nesse quadro, e imagino que ele já esteja se preparando para ir para a candidatura do Aécio. Porque, obviamente, na cultura da Rede não há lugar para um inimigo histórico dos trabalhadores rurais, das comunidades indígenas e para quem articulou a derrota do Código Florestal”. Essa declaração teve impacto político imediato, com a ruptura pelos representantes do agronegócio no Congresso, inclusive com uma nota da Confederação Nacional da Agricultura, das negociações de apoio à candidatura presidencial de Eduardo Campos. A senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), apesar da sua aproximação da presidente Dilma Roussef e de integrar a base do governo, anunciou que a grande maioria dos ruralistas deve apoiar o candidato tucano (o que, é preciso reconhecer, constitui uma grande injustiça com o governo Dilma que tanto favorece o agronegócio). Posteriormente, a Rede Sustentabilidade tentou correr atrás do prejuízo, por meio de nota informando que, diferentemente do entendimento de algumas entidades do agronegócio, em nenhum momento sua porta-voz Marina Silva fez críticas a esse setor, mas apenas ao deputado Ronaldo Caiado.
Se for para valer, esse novo estilo de fazer política – explicitando um projeto político e definindo critérios para alianças – é um evidente complicador para candidatos acostumados ao marketing político e à exploração de escândalos e questões ideológicas que ocultam os projetos em disputa. Nesse sentido, Marina atrapalha as práticas dominantes no processo político brasileiro desde que Fernando Henrique e Lula optaram por se eleger e assegurar “a governabilidade” através de amplas coalisões partidárias que incluíram as forças mais retrógradas da política brasileira, de Antônio Carlos Magalhães a José Sarney. O lulismo – um reformismo fraco apoiado numa base de sustentação política conservadora, como explicou André Singer – optou, desde a Carta aos Brasileiros, por “ganhar perdendo”, e o PSB de Eduardo Campos não contestou essa estratégia em momento algum, tendo integrado a base de sustentação política dos governos petistas de 2003 a 2013. Com exceção de Aécio Neves ou de José Serra (pois aos tucanos só resta a opção de se constituírem em polo de atração de forças à direita do espectro político), os demais candidatos têm de administrar alianças bastante heterogêneas e buscar colher votos na direita e na esquerda.
Entretanto, nesse momento pré-eleitoral, as candidaturas já estão sendo pressionadas a exibir uma nitidez política bem maior do que nas eleições anteriores, inclusive a de 2002, na qual Lula combinou com extrema habilidade o discurso voltado para suas bases políticas no então chamado “campo democrático e popular” e compromissos com o grande capital e sua representação política. Agora, do ponto de vista das alianças, os dilemas e a exigência de maior clareza não se colocam apenas para a candidata Dilma, mas para a própria Marina e Eduardo Campos. De saída, Dilma está desafiada a negociar com o agronegócio, que certamente vai querer cobrar bastante caro para lhe dar o seu apoio. Isso aumenta enormemente o risco de questões da maior importância, como a disputa em torno do processo de demarcação das terras indígenas, serem transformadas em moeda de troca no jogo político-eleitoral.
A chapa Eduardo Campos-Marina Silva tem de esclarecer a sua política de alianças e destrinchar contradições políticas não menos difíceis de equacionar. Apesar de cobrar nitidez programática na disputa político-partidária, Marina Silva carece de nitidez em tudo o que diz respeito ao seu posicionamento frente aos rumos do capitalismo no país, apesar da sua identidade com o chamado capitalismo verde. Os jornais de hoje (14/10) noticiam que Marina vai apresentar o pré-candidato do PSB aos empresários que vêm apoiando a Rede, entre eles a socióloga Neca Setubal do Banco Itaú, e o pessoal da Natura. No entanto, com base nas posições até aqui explicitadas pela ex-senadora, é impossível afiançar que esta seja capaz e tenha a vontade política de se contrapor ao aprofundamento das políticas neoliberais proposto nas últimas eleições pelos candidatos do PSDB e contido pelos candidatos petistas vitoriosos.
Aliás, a suspeita de que Marina permanece em matéria econômica no campo do neoliberalismo foi bastante reforçada por sua opção pela neutralidade no segundo turno da disputa eleitoral entre Dilma e Serra em 2010. Nos jornais de desta segunda-feira, Marina Silva (em entrevista ao Valor Econômico) e Aécio Neves (em artigo na Folha de São Paulo) aparecem irmanados na defesa do tripé: controle fiscal (superávit primário), taxa de câmbio flutuante e regime de metas de inflação. Marina e Campos estão desafiados a revelar também como o programa de governo do PSB-Rede fará uma síntese entre o neodesenvolvimentismo de Campos (avesso a preocupações socioambientais, como mostra o seu projeto de SUAPE) e o compromisso com a sustentabilidade da candidata da Rede.
Idêntica cobrança nos cabe fazer em relação às alianças petistas. Num país cujo cenário político vem sendo alterado por meses de manifestações populares, será difícil aos candidatos à presidência da República ignorar a insatisfação popular com o inferno urbano, a falta de mobilidade, o suplício dos transportes públicos, o caos na saúde e a precariedade da educação pública. Isso exigirá uma revisão das alianças, particularmente em estados como o Rio de Janeiro onde o governador e o prefeito da capital sofreram enorme desgaste político nos últimos meses. Os problemas certamente são mais amplos, pois dificilmente Dilma abrirá mão de alianças como a que o PT Nacional mantém com a oligarquia Sarney, que continua infelicitando o sofrido povo do Maranhão.
Por outro lado, a postura política de Marina Silva pode dar a impressão equivocada de que a dirigente da Rede é uma adepta da ética de convicção (aquela dos princípios, sem considerar as consequências). Favorece, assim, o surrado argumento petista de que sem as concessões feitas desde 2003 às forças do atraso, ao capital financeiro e ao agronegócio – em suposta consonância com a ética de responsabilidade (a que leva em conta o possível e avalia os meios mais apropriados para atingir o fim) – teria sido impossível viabilizar as políticas reformistas que têm beneficiado, com exasperante lentidão, o andar de baixo da sociedade brasileira.
O desafio que se coloca para os movimentos sociais e organizações da sociedade civil é o de tensionarem ao máximo a disputa eleitoral, confrontando os diversos candidatos com todos os pontos inegociáveis das suas agendas políticas próprias. Não podemos subestimar o avanço político que pode ser propiciado por uma sociedade civil mobilizada e intransigente em relação a temas como os direitos dos povos indígenas, código de mineração, defesa das políticas públicas – como o Programa de Aquisição de Alimentos que beneficia a segurança alimentar da população e favorece a agricultura familiar -, denúncia das políticas urbanas antipopulares e favoráveis aos especuladores imobiliários, questionamento dos grandes projetos de infraestrutura que violam direitos e provocam situações de injustiça ambiental, etc. Resta ver se os movimentos populares conseguirão preservar a sua autonomia e resistir ao canto de sereia do “realismo político”. Mais do que nunca, está posto para esses movimentos e organizações o desafio de “ganhar ganhando”.