Marijane Vieira Lisboa *
12/04/2023 14:47

Marijane Vieira Lisboa*

 

Na sessão ambiente da Folha de São Paulo (6/04/2023), li ontem a manchete de que “Alckmin defende explorar reserva de potássio na Amazônia”. A licença para explorar potássio no Amazonas havia sido suspensa pela Justiça Federal do estado em Setembro do ano passado, porque as terras onde se localiza a reserva são de uso dos indígenas Mura desde a época da Cabanagem, 1838. O que se lê em seguida na matéria, é de arrepiar os cabelos de qualquer ambientalista, defensor dos direitos humanos, antropólogo, sociólogo, advogado e economista que não tenha vendido sua alma “ao vil metal”. 

Para Alckmin, por exemplo, explorar o potássio poderia ser “um dos maiores investimentos do país, deixando de importar 98% do potássio” usado na agricultura brasileira. Sem entrar na crítica de uma agricultura artificializada, que precisa de um fertilizante que está do outro lado do planeta quando é um dos países mais biodiversos do mundo, será que investir em mineração a essas alturas da catástrofe climática poderia ser considerado por qualquer economista de bom senso “um bom investimento?” Ainda mais quando Alckmin pretende reforçar a sua causa argumentando que “o Brasil é o maior exportador de alimentos do mundo”, esquecendo-se de que isto está intimamente relacionado com sermos também “o maior desmatador do mundo”? Alckmin foi nomeado por Lula presidente do Confert (Conselho Nacional de Fertilizantes e Nutrição das Plantas) e deu estas declarações no dia em que se reuniu com a Suframa da Zona Franca de Manaus e logo em seguida com o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, para tratar do Plano Nacional de Fertilizantes.

Da coleção de argumentos inconsistentes e incongruentes a favor da exploração de minério em terras indígenas, a reportagem nos elenca alguns primores: Alckmin culpa a burocracia por levar “cinco anos para discutir se a competência é do Ibama ou do Ipaam”, o órgão ambiental do governo do Pará. Não foi bem assim. Enquanto corria a boiada no governo Bolsonaro, o Instituto local usurpou as atribuições do IBAMA, porque licenciamento de mineração em terras indígenas é atribuição constitucional do órgão federal. Enquanto isso, a FUNAI protelava indefinidamente o processo demarcatório da terra indígena dos Mura. A Justiça Federal do Amazonas, porém, atendendo o recurso do MPF do Amazonas, suspendeu o licenciamento que vinha correndo e o TRF1 confirmou o entendimento judicial. Nesse caso, em vez de reclamar da demora judicial, Alckmin, vice-presidente desse país e que jurou respeitar sua Constituição, deveria simplesmente acatar a decisão judicial.

Outro argumento bastante ousado de Alckmin, normalmente tão discreto durante a campanha eleitoral, foi dar como prova das vantagens da mineração o alto PIB do município de Canaã dos Carajás, onde se encontra a maior mina de ferro do mundo. Além do fato de que há uma diferença sociologicamente enorme entre PIB alto e desenvolvimento social, Carajás tem aparecido nos jornais há anos como a região em que povos indígenas têm suas terras invadidas, corre solta a grilagem de terras públicas, agricultores familiares são expulsos à bala – vide o massacre de Eldorado -, extensas regiões de castanhais e floresta são desmatadas para que passe a estrada de ferro Carajás, águas contaminadas, trabalho escravo, prostituição de crianças, tráfico de drogas. Enfim, se há um exemplo de como a mineração não compensa, é Carajás.

Aliás, a história econômica e a sociologia do desenvolvimento têm uma interpretação bem diferente do papel da exploração de minérios e recursos não renováveis nas economias dos países. Longe de trazer benefícios às coletividades onde se situe, a exploração de minérios, embora possa gerar durante algum tempo uma grande riqueza, não costuma reparti-la entre o conjunto das sociedades, constituindo o que se costuma chamar de uma “economia de enclave”, com graves impactos ambientais e sociais. A economia dessas regiões descreve uma curva simples, elevando-se no inicio da exploração, atingindo um ápice e depois deixando um cenário de terra arrasada e um IDH ainda mais deprimido do que antes do seu começo, quando se esgota o recurso. O ouro e a prata da América Espanhola e de Minas Gerais foram a causa da decadência do Império Espanhol e do primeiro país capitalista do mundo, Portugal, porque enquanto suas elites se locupletavam comprando bens de luxo na França, a Inglaterra, a Holanda e em seguida os Estados Unidos, se industrializavam.

Em apoio a Alckmin e Fávero, ainda na mesma matéria, vemos o governador do Estado do Amazonas, o bolsonarista de carteirinha Wilson Lima (União Brasil), se declarar a favor de “diversificar as atividades da Zona Franca” por meio da exploração do gás natural e do potássio. Como tentei explicar acima, mineração não diversifica, exclui e impede outras atividades econômicas, social e ambientalmente mais adequadas. Bom lembrar também que Mariana e Brumadinho são resultado dessa “diversificação de atividades”, que há muito tempo infelicita as nossas (da Vale) Minas Gerais.

Finalmente, para completar essa nova Frente Ampla pela Mineração em Terras Indígenas, (já, já vão anunciar a sua formação), vem Omar Aziz (PSD), que teve uma atuação tão digna na CPI da Covid, dizer que seria favorável a uma “lei sustentável” que permitisse a exploração desse ouro que escapa por contrabando para a Venezuela, de modo a “ajudar a população do interior”. Minerações sustentáveis são por definição uma contradição em termos. Por mais que se cuide, inutilizam-se quilômetros de terras aráveis e abrem-se crateras que nunca mais se fecham, consomem-se e contaminam-se quantidades inimagináveis de água que faltarão para propósitos mais nobres, gasta-se muito petróleo, diesel e carvão na extração, transporte, metalurgia etc e…de vez em quando, quando o preço do metal desaba no mercado externo, reduz-se os gastos com segurança e terceiriza-se a mão de obra, e daí, acontecem Marianas, Brumadinhos e uma lista enorme de grandes catástrofes minerárias em grandes empresas no Brasil e no mundo.

Mas não podia faltar a essa Frente que está se formando, o PT, o partido majoritário do governo. O deputado estadual do Amazonas, (leio ainda na reportagem), Sinésio Campos, presidente do PT do Amazonas e, coincidência, sogro de Juliano Valente, diretor-presidente do Ipaam, declara com orgulho que defende a mineração em terras indígenas há mais de três décadas, ao contrário de Lula que só se meteu no assunto recentemente.

Em síntese, para qualquer um que entenda como funcionam as coisas em Brasília, a leitura da reportagem só pode ser a seguinte: o governo Lula já tomou posição em relação à mineração em terras indígenas e já autorizou seu vice-presidente e ministro da agricultura a se manifestarem publicamente a respeito. Fica o constrangimento para Marina Silva e Sonia Guajajara de abrirem divergência pública com o governo Lula ou se limitarem aquelas notas protocolares, como fizeram ambos ministérios, referindo-se às disposições legais sobre o tema e à necessidade de que se siga os procedimentos burocráticos.

Outros sinais alarmantes de como poderão ser as políticas ambientais e de proteção aos povos indígenas do Lula 3 já piscam no horizonte. Um submarino cheio de amianto foi afundado por decisão do Ministério da Marinha, da Defesa e da Advocacia da União contrariamente à posição do IBAMA. De outro lado, Lula não consegue refrear seu entusiasmo com a ideia de importar gás de folhelho da Argentina, apesar dos enormes estragos ambientais e prejuízos aos povos Mapuche da Argentina que a exploração de Vaca Muerta ocasiona, já tendo falado disso duas vezes. Seu ministro de Minas e Energia é um entusiasmado com a exploração de petróleo na Foz do Amazonas e com a a retomada do programa nuclear brasileiro, e seria estranho supor que Lula o escolheu sem ter conhecimento do seu portfólio de investimentos preferidos. Não adianta, contudo, de um ponto de vista da física mais elementar, reduzir o desmatamento de uma lado e aumentar a produção de petróleo de outro lado. Matematicamente, um anula o outro. E, se o Brasil de fato leva a sério as mudanças climáticas, não faz sentido essa pressão sobre o Ibama para liberar a prospecção de petróleo na foz do Amazônia. Aliás, o argumento de que não se está requerendo licença ambiental para a exploração, mas apenas para a prospecção é cômico. Quer dizer, que é só curiosidade, mesmo que descubramos que há uma enorme reserva de petróleo à nossa espera? Ou aí começa uma nova temporada de investidas petroleiras?

Infelizmente já vimos esse filme nos governos Lula 1,2 e Dilma 1 e já sabemos também que ele não tem happy end. Apesar de Marina Silva e Carlos Minc nos governos petistas passados, o balanço ambiental não foi nada positivo: liberação de soja e milho transgênicos, aumento do uso de agrotóxicos, retomada do programa nuclear brasileiro, um novo Código Florestal que mais pareceu licença para desmatar, construção de monstrengos como Belo Monte e as hidroelétricas do Madeira, fiscalização frouxa das atividades de mineração, junto com uma sensível redução do ritmo de Reforma Agrária e de demarcações de Terras Indígenas.

Pelo visto, Lula insiste na mesma receita: nomeação de Marina Silva para o Ministério do Meio Ambiente e Sônia Guajajara para o novo a Ministério dos Povos Indígenas, no desejo de que elas se resignem a um papel de “rainhas da Inglaterra”, somente para ingleses verem. Enquanto isso, na Praça dos Três Poderes, os membros do seu governo, bem como da oposição, que desse ponto de vista não tem divergências, tratam de encontrar jeitinhos para atender aos interesses do grande agronegócio, do extrativismo predatório e do lobby nuclear, entre outros. Assim, enquanto o país discute taxas de juros, autonomia do Banco Central, massacres em escola e até o papel do Brasil como mediador da paz entre a Ucrânia e Rússia, uma nova boiada vai passando sem ser notada. 

 

*Professora do Curso de Ciências Socioambientais e de História da PUC-SP, membro da Rede Brasileira de Justiça Ambiental e ex-Secretária de Qualidade Ambiental dos Assentamentos Humanos de 2003 a 2005 no Ministério do Meio Ambiente.

**Professora do Curso de Ciências Socioambientais e de História da PUC-SP, membro da Rede Brasileira de Justiça Ambiental e ex-Secretária de Qualidade Ambiental dos Assentamentos Humanos de 2003 a 2005 no Ministério do Meio Ambiente.