Marina Malheiro
17/01/2024 11:45

Fonte: Agência Bori

As Listas Vermelhas de Espécies Ameaçadas ajudam a tomar decisões sobre investimento em tempo e recursos de conservação da biodiversidade. Um estudo da Universidade de São Paulo (USP) e instituições parceiras publicado na quinta (11) na revista científica “Science” organizou uma lista vermelha de espécies de árvores da Mata Atlântica com risco de extinção e concluiu que 82% das quase 2500 espécies exclusivas desse bioma estão ameaçadas.

A Lista Vermelha contém quase 5000 espécies de árvores que ocorrem na Mata Atlântica e foi organizada a partir de três milhões de registros de herbários, inventários florestais e informações sobre biologia e ecologia das espécies. Muitas árvores emblemáticas do bioma foram classificadas como espécies ameaçadas de extinção, como o pau-brasil, a araucária, o palmito-juçara, o jequitibá-rosa, o jacarandá-da-Bahia, o angico e a peroba.

A pesquisa também classificou 13 espécies de árvores que ocorrem apenas na Mata Atlântica e em nenhum outro lugar do mundo, as chamadas espécies endêmicas, como possivelmente extintas. Por outro lado, cinco espécies que antes eram consideradas extintas na natureza foram redescobertas, caso da Campomanesia Lundiana e da Myrcia neocambessedeana.

Renato Lima, professor da USP e autor do artigo, explica que “o quadro geral é muito preocupante”, pois a maioria das espécies de árvores da Mata Atlântica foram classificadas em algumas das categorias de ameaça da União Internacional de Proteção da Natureza (IUCN), em decorrência da perda de suas florestas e árvores.

A construção da lista de espécies ameaçadas da Mata Atlântica se baseou em diferentes critérios da IUCN, inclusive alguns que incorporam os impactos do desmatamento. “Se tivéssemos usado menos critérios da IUCN nas avaliações de risco de extinção das espécies, o que geralmente tem sido feito até então, nós teríamos detectado seis vezes menos espécies ameaçadas”, avalia Lima.

Segundo destaca o estudo, a maioria das avaliações de risco de extinção disponíveis na IUCN se baseia apenas na distribuição geográfica das espécies, mas o declínio no número de árvores adultas causado pelo desmatamento é a principal causa de ameaça das espécies. “O uso desses critérios associados ao desmatamento aumenta drasticamente o nosso entendimento sobre o grau de ameaça das espécies da Mata Atlântica, que é bem maior do que pensávamos anteriormente”, finaliza o pesquisador.

Os cientistas fizeram ainda projeções sobre o impacto da perda de florestas em escala global, que incluíram as áreas de florestas tropicais. “As projeções indicam que entre 35% e 50% das espécies de árvores do planeta podem estar ameaçadas apenas devido ao desmatamento”, comenta Hans ter Steege, pesquisador co-autor do trabalho, do Naturalis Biodiversity Center, na Holanda.

O estudo considerou apenas o desmatamento e não as ameaças futuras, como as mudanças climáticas, que podem acelerar os riscos de extinção de espécies. Para garantir a conservação de espécies, os pesquisadores propõem como alternativas a conservação das espécies em jardins botânicos e bancos de material genético, além dos chamados Planos de Ação Nacionais (PANs), instrumentos de promoção de políticas públicas direcionadas à conservação e a recuperação de espécies ameaçadas no Brasil, em especial àquelas em risco iminente de desaparecer.

Outra saída para reverter as perdas de espécies de árvores na Mata Atlântica é a restauração florestal, explica André de Gasper, professor da Universidade Regional de Blumenau (FURB) e coautor do estudo. “Projetos de restauração, em áreas abertas ou em fragmentos degradados, podem selecionar preferencialmente as espécies regionais mais ameaçadas da Mata Atlântica, visando estimular a produção de sementes e mudas destas espécies e a recuperação das suas populações de árvores na natureza”, diz o autor.

A experiência da FASE Espírito Santo

A educadora da FASE Espírito Santo, Clara Junger, comenta sobre o histórico do desmatamento na Mata Atlântica e também a importância dos povos tradicionais para a floresta. Ela lembra que a devastação da Mata Atlântica foi e ainda é um processo diretamente associado ao padrão de consumo imposto pela expansão capitalista desde o tempo da invasão dos portugueses, no século 16, com a comercialização do pau-brasil, até o século 20, com a invasão da Aracruz celulose com a derrubada da floresta para  monocultivo de árvores. 

“As medidas para conter o desmatamento são fundamentais, mas também é importante lembrar que apenas o plantio de árvores não é sinônimo de reflorestamento. O plantio de eucalipto transgênico, por exemplo, continua a degradação do solo e das águas e a extinção de espécies ameaçadas”, pondera . “Outra coisa, seria importante revisar os títulos de terra das empresas em áreas de Mata Atlântica, especialmente as em sobreposição com territórios tradicionais, e remover seus usos irregulares seria uma importante política para manutenção da biodiversidade da floresta e o reflorestamento efetivo da Mata Atlântica”, defende.

A educadora ainda reforça a importância dos povos tradicionais na manutenção da floresta em pé. “São eles que protegem a Mata Atlântica onde existe e garante a maior biodiversidade. Sem as populações quilombolas, indígenas, campesinas, o pouco que a gente tem de Mata Atlântica hoje com certeza já não existiria”, considera. “As populações tradicionais são as guardiãs da floresta e o seu acesso e uso também tem que ser garantido”, conclui.

*Estagiária da Comunicação, sob supervisão de Paula Schitine