21/05/2013 13:01

Lívia Duarte, jornalista da FASE

A Caravana Agroecológica e Cultural parte neste dia 22 para divulgar experiências da agricultura familiar agroecológica em cerca de dez municípios da região da Zona da Mata de Minas Gerais. A ideia é gerar intercâmbio entre as experiências locais e aquelas vividas por outras 40 pessoas. Estas fazem parte de grupos ligados à agroecologia e chegam de todas as regiões do Brasil.

Os grupos – que somam ao menos 200 pessoas – aproveitam três trajetos principais para divulgar a agroecologia com panfletagens, entrevistas em rádios e eventos nas praças públicas. Assim, o número de participantes se multiplica junto à população de cada cidade.

A agricultura no norte da Zona da Mata de Minas Gerais é formada basicamente por famílias. Cerca de 90% das propriedades são menores que 100 hectares. Os participantes da caravana conhecerão algumas experiências construídas pelos agricultores e entidades da região – sindicatos, ONGs, grupos de mulheres e de cultura, universidades, etc.

São exemplos de produção e manejo com agroecologia e venda de alimentos saudáveis para escolas por meio de programas de políticas públicas. Além disso, a resistência aos minerodutos e à mineração de bauxita é uma forte marca na região que tem o segundo maior veio deste mineral no país. Outro item importante é a construção das Escolas Família Agrícola, que são espaços populares onde os jovens aprendem agroecologia numa mescla de a teoria e a prática realizada em suas casas e comunidades.

Também são consideradas importantes as experiências de conquista da terra, seja em assentamentos de reforma agrária, seja em assentamentos formados com crédito rural, quer dizer, pela compra de terras por um conjunto de famílias organizadas.

Rumo ao III ENA

A Caravana Agroecológica e Cultural da Zona da Mata é a primeira de uma série planejada pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) como metodologia perparatória para seu III Encontro Nacional. Como destacou Eugênio Ferrari, do Núcleo Executivo da ANA E do Centro de Tecncologia Alternativa da Zona da Mata (CTA-ZM), que recebe esta caravana, o evento é um exercício de olhar: “Mesmo se vocês não estivessem aqui, já teria valido pelo nosso exercício de praticar um olhar coletivo sobre a nossa região. É um novo e importante exercício.” A presença de pessoas de todo o país, destacou Ferrari, vai potencializar este olhar com outras perspectivas.

Na entrevista a seguir, Glauco Regis, da coordenação do CTA-ZM, ‘desenha’ o cenário desta caravana, descrevendo as principais experiências e construções alternativas e de resistência que estão pelo caminho dos viajantes:

FASE – O que é agroecologia?

Glauco Régis – É ao mesmo tempo ciência, prática e movimento. Antes de mais nada é movimento, porque não se faz sozinho. Os agricultores e agricultoras precisam estar unidos em cooperativas, sindicatos, nas organizações, juntando forças para compartilhar, fazer seus intercâmbios e aprender. É prática porque não pode ser só teória: é preciso manejar o solo, observar a natureza, cuidar das plnatas. E é ciência porque se faz na união dos conhecimentos teóricos e dos construídos ancestralmente pelas famílias. E isso tudo para quê? Para produzir de modo sustentável, mais próximo do que a natureza faz. Portanto, com o menor impacto possível. Então é uma definição um pouco longa, mas é assim mesmo, é impossível definir com duas palavras.

E porque estão realizando esta Caravana Agroecológica e Cultural aqui na Zona da Mata de Minas Gerais?

Ao longo dos anos – o CTA por exemplo tem 25 anos – acumulamos muitas experiências, muito produtivas e que têm muito a dizer. Mas a gente percebe que a sociedade não conhece essas experiências, ainda tem muita distância entre o que estamos fazendo, o que as famílias estão fazendo, e o que a sociedade sabe sobre agricultura, produção, qualidade dos alimentos. Por isso que nossa caravana é feita caminhando, se faz ao longo dos trajetos, vai percebendo os conflitos e agindo para ampliar o conhecimento sobre o que é agroecologia e porque a população precisa apoiar a agroecologia.

Você poderia pintar um pouco do cenário do que vamos ver nos próximos dias em que vamos passar por vários municípios?

Olha vai ser fantástico. Os três roteiros foram definidos pelos movimentos aqui da região ebtão em todos eles vamos ver muitas experiências de produção, manejo, comercialização, ensino por alternância nas Escolas Família Agrícola e também muitos conflitos. Quem ameaça a agroecologia e talvez até impossibilite a agroecologia de continuar. Então vamos seguir pelos três roteiros e nos encontramos em Espera Feliz.

O primeiro roteiro passa pela cidade de Muriaé. Qual o elemento central que vamos ver por lá?

A primeira coisa é um assentamento do MST que tem em torno de 6 anos e as famílias estão se consolidando, procurando produzir com agroecologia. Essa é a primeira interface: terra e agroecologia. Vamos ver também o conflito com a mineração da bauxita, empresas já estão explorando e agora ameaçam a agricultura familiar. Então como é que fica? Produzir, ter a terra, e vem um megaempreendimento econômico… Depois o grupo se subdivide e conhecem experiências de outros municípios para ver famílias que estão produzindo e vendendo para alimentação escolar produtos de excelente qualidade.

E na segunda rota passamos por Acaiaca para ver o quê?

O segundo trajeto é marcado pelas Escolas Família Agrícola. Aqui na região são entre 400 e 500 filhos de agricultores e agricultoras estudando nas escolas populares. Outra questão é a situação das barragens na região do Rio Doce. É uma área de muitas barragens para geração de energia elétrica e portanto uma área de muito conflito e resistência que vem sendo articulada pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). E, além disso, é a rota com mais força da cultura popular. Todas estão na Zona da Mata, mas aqui na região temos diferentes tradições. Esta região de Acaiaca e Ponte Nova está próxima a Ouro Preto e Mariana, portanto, tem uma cultura negra muito forte que ficou ali por causa dos escravos que vieram habitar a região por causa do ciclo do ouro. Foi uma região de abastecimento da antiga metrópole, que foi Vila Rica. Então esta herança permanece na cultura afrobrasileira: em Ponte Nova vamos ter um grande momento cultural ocupando novamente uma praça pública.

Bom, como você comentou no início, falar de agroecologia também é valorizar a cultura, não se trata apenas de plantar e colher. E chegamos na terceira rota, que passa pela cidade de Araponga. O que achamos ali?

Vai passar sobre o parque Estadual da Serra do Brigadeiro e é eixo importante no debate sobre unidades de conservação e a agricultura sustentável no entorno dessas áreas. Vamos passar nos dois lados da serra: em Araponga tem um conjunto muito grande de experiências de sistemas agroflorestais e escolas. E do outro lado, em Divino, vamos ver produção e comercialização – com mercadinho e alimentação escolar. E dali seguimos para Espera Feliz, no terceiro dia, onde todos nos encontramos para visitar mais famílias agricultoras. Estas estão em assentamentos de crédito fundiário. Portanto, volta a questão da terra porque não dá pra fazer agroecologia sem terra. Então, na primeira rota, como comentei, está um assentamento de reforma agrária e nesta crédito fundiário, onde o pessoal comprou a terra que era de uma única fazenda e está produzindo, com alguns desafios e alguns avanços muito interessantes também. Lá vamos realizar um ato público na praça do centro da cidade.

E aí, para encerrar, vamos para o Alto Caparaó realizar uma grande mística, já que a mística é mais um elemento muito importante para a agroecologia. É preciso olhar a natureza e as pessoas não com a racionalidade simplesmente de quantas plantas por hectare ou quantos sacos de adubo para tal área. A agroecologia incorpora a cultura popular, que tem uma mística de que estamos aqui por alguma missão maior. E percebemos que na agroecologia nossa missão é cuidar da terra, curar a terra.