Suzana Devulsky
07/04/2025 14:06
Na quarta-feira, 2 de abril, a Rede de Vigilância Popular em Saneamento e Saúde do Rio de Janeiro, da qual a FASE RJ faz parte, realizou uma oficina para debater as conexões entre clima e água. O encontro foi realizado na sede do Sindicato dos Engenheiros (SENGE), localizada no centro da cidade do Rio de Janeiro, em parceria com o Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental (FMCJS/RJ), o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e o Laboratório de Estudos de Águas Urbanas (LEAU/UFRJ).
O evento iniciou com uma mesa de apresentação formada por Ana Britto, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU/UFRJ) e coordenadora do Laboratório de Estudos de Águas Urbanas (LEAU/UFRJ), Roberto Oliveira, mestre em História e coordenador do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), e Maiana Maia, do Núcleo de Políticas e Alternativas (NuPA) da FASE. As convidadas e o convidado fizeram falas introdutórias, trazendo dados, reflexões e provocações que foram, posteriormente, discutidos pelos demais presentes.
Caroline Rodrigues, professora da Faculdade de Serviço Social da UERJ e integrante da Rede de Vigilância Popular em Saneamento e Saúde, ficou responsável pela mediação da conversa e explicou em sua fala de abertura que, embora os assuntos crise hídrica e mudanças climáticas tenham muitos pontos em comum, essa conexão ainda não havia sido colocada em pauta nas reuniões da Rede. A iniciativa de aproximar os debates veio após o seminário das águas realizado em março de 2024, quando alguns participantes levantaram a questão.
Primeira a falar, Ana Britto trouxe diversos dados sobre os impactos do clima nas águas, mostrando, principalmente, as previsões relacionadas ao Rio de Janeiro que mostram o município e região metropolitana como uma das regiões mais afetadas pelas consequências das mudanças climáticas. A professora lembrou que ao conectarmos clima e água não estamos falando somente de secas como também de enchentes, alterações no regime de chuvas, aumento do nível do mar, além do aumento do próprio consumo humano devido ao calor. Outro ponto levantado por Ana foram as consequências das chuvas concentradas, que sobrecarregam a infraestrutura das cidades, causando extravasamento de esgotos e contaminação de águas subterrâneas.
“O aumento das chuvas concentradas vai gerar uma sobrecarga primeiro no sistema de drenagem que coloca em risco uma série de infraestruturas existentes de abastecimento de água e de coleta de esgoto. Vocês lembram o que aconteceu em Porto Alegre (na enchente ocorrida em abril e maio de 2024)? Lá ficou muito tempo sem água de abastecimento, porque o sistema não podia operar justamente porque estava debaixo d’água”, explicou.
Por fim, Ana chamou a atenção para o fato de quem em países onde houve a reestatização das empresas de água e saneamento foi precisamente o argumento da emergência climática um dos mais importantes para negociação e sucesso do processo.
Roberto Oliveira, coordenador do MAB, falou logo após a Ana e reforçou a importância de ir além dos debates e a urgência de agir. Roberto trouxe a experiência do MAB defendendo que a questão dos desastres, e suas consequências, é um elo entre os debates da água e do clima. A crítica ao sistema capitalista também foi bem marcada por ele, que manifestou a necessidade de nomearmos os responsáveis pelos atuais e futuros problemas, apontando que os maiores responsáveis pelas emissões de gases do efeito estufa são também os que estão consumindo nossa água, como no caso do agronegócio, e denunciou a farsa da transição energética.
“Estamos diante de algo muito problemático e o capital não vai dar resposta para algo que ele mesmo gerou, e algo que ele não vai abrir mão. Desde o carvão, nada foi abandonado. Carvão, a lenha, nada. Continuam sendo usados e em medida cada vez maior. Então, quando estamos falando de transição, não é transição, é expansão. São mais fontes de energia”, afirmou.
Para finalizar, Roberto abordou o cenário atual do Rio de Janeiro e do processo de privatização da CEDAE, apontando que quem tem o controle da água é que decide para onde ela vai e para o que vai servir. “Em um cenário como esse, de crise climática, de um futuro de maior escassez de água, como estamos permitindo uma discussão de entregar (para empresas privadas) as reservas de água do Rio de Janeiro que ainda existem?”
Maiana Maia, da FASE, concordou com o exposto por Roberto ao destacar em sua fala a urgência de politizar o debate acerca do papel dos setores hidrointensivos, como o agronegócio irrigado e a mineração, na produção da crise climática e na captura das águas. Para ela, existe uma “desinformação organizada”, uma tendência de invisibilizar informações que deveriam ser públicas para dificultar a denúncia e questionamento de problemas, interesses privados e abusos e relacionados à gestão das águas.
“Sem informação, sem uma arena pública, sem entendermos quanto o agro usa de água, sem entendermos quais são nossas áreas sensíveis, onde são as áreas de recarga de aquíferos que talvez não devessem estar sendo superexploradas porque isso tem um impacto sobre o abastecimento das pessoas, sobre a produção de vida… Enfim, há uma série de informações que são essenciais para qualquer tomada de decisão, mas que, quando existem, são desorganizadas de uma forma intencional”, denunciou.
Segundo Maiana, a falta de informações sobre a questão das águas é tão séria que até mesmo nos movimentos sociais esse tema não tem a centralidade e urgência necessárias. “Se considerarmos a realidade do que o Brasil vive e as projeções de como os problemas vão se aprofundar, essa é uma agenda central para qualquer movimento que discute terras, reforma agrária, produção de alimentos, saúde… As águas podem, e devem, ser um elemento de interconexão muito importante para todos os movimentos.”
Após as falas introdutórias, as pessoas presentes deram suas contribuições à discussão, levantando pontos como a desigualdade socioambiental, racismo ambiental e desconexão entre cidade e natureza. Foi unânime a noção de que as crises hídrica e climática não são mais previsões e sim realidades que afetarão todas as pessoas, embora grupos vulneráveis sofram de maneira muito mais grave seus impactos.
Clara Lima, educadora da FASE RJ, frisou que nossa sociedade tem a tendência a setorizar as discussões, enquanto, na realidade, tudo está interconectado. “Falar sobre água ajuda a tornar mais palpáveis certas discussões sobre clima. Às vezes algumas pessoas podem não entender o que é crise hídrica ou emergência climática, por exemplo, mas ao falarmos sobre chuvas, enchentes e falta de água, todo mundo entende. Assim, a água pode ser a porta de entrada para outras discussões sobre o clima.”
Aercio Oliveira, coordenador da FASE RJ, reforçou que a complexidade do tema da água não será enfrentada sozinha e que conectando dimensões locais e universais conseguimos dar mais força à luta. Para ele, essa é uma oportunidade de ajudar e unir as redes.
*Comunicadora da FASE