14/03/2012 13:10

O Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações Biotecnológicas (ISAAA, em inglês), divulgou em fevereiro que em 2011, pelo terceiro ano seguido, o Brasil foi o principal responsável pela expansão das lavouras transgênicas no mundo, que cresceram 8%. Conforme informação publicada pelo jornal Valor Econômico e reproduzida pelo Boletim da Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos, “o Brasil, sozinho responde por 40% dessa expansão. No ano passado, a área ocupada com transgênicos no país somou 30,3 milhões de hectares, um aumento de quase 20% ou 4,9 milhões de hectares em relação à safra anterior”1.

Os dados revelam que a aposta de governos e das grandes corporações na tecnologia como “o futuro da agricultura” continua de pé. E nos lembram dos crescentes debates sobre Economia Verde, apoiada centralmente em respostas tecnológicas, no caminho para a Rio+20. Afinal, o que a experiência dos transgênicos nos mostrou até agora?

Na FASE, acreditamos que impera uma visão reducionista na avaliação de riscos pelos interessados nessa tecnologia. E a segurança alimentar é praticamente ignorada nessa visão. Pesquisa do Prof. Rubens Nodari, identificou na base de dados da CAPES e do Scielo, no período 1987 a 2008, em um total de 716 estudos, apenas oito com abordagem a partir da segurança alimentar sobre exposição a riscos e incertezas para a saúde e meio ambiente oriundos dos transgênicos2.

A incerteza é apenas um dos motivos pelo qual a FASE se mantém contra a liberação dos transgênicos e considera a importância estratégica da adoção do princípio da precaução, estabelecido em acordos internacionais como princípio ético e a alternativa um imperativo diante de tantas incertezas e riscos da ciência. Compartilhamos a proposta da ciência precaucionária como alternativa, como nos fala Nodari3, coerentemente com a defesa da soberania alimentar, segurança alimentar e nutricional.

As promessas das empresas sobre aumento do rendimento e de produção para diminuir a fome, assim como para a redução do uso de agrotóxicos, revelaram-se falaciosas. Tanto a fome no mundo cresceu exponencialmente como o consumo de agrotóxicos tem aumentado e o Brasil, lamentavelmente, sustenta o título de campeão mundial pelo uso destas substâncias há alguns anos. A difusão da soja transgênica aqui foi a principal responsável pelo maciço uso do glifosato, o herbicida conhecido como mata-mato. Há evidências científicas, em pesquisa recente realizada na Argentina, de que entre seus efeitos estão microcefalia e malformação de fetos4.

Seriam motivos suficientes para termos atuado no processo de criação da Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos, na década de 1990, assim como estarmos engajados também na Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida. Mas outros aspectos podem ser lembrados. Entre eles, a questão da propriedade intelectual das sementes geneticamente modificadas, possibilitado pela aprovação da Lei de Cultivares em 1997. Este fato determinou a aceleração do processo de transnacionalização da indústria de sementes e o crescente controle de poucas empresas sobre a cadeia agroalimentar. Esta concentração nega a soberania alimentar e tem sido apontada como fator que dificulta a reação à tendência de alta no preço dos alimentos.

Além disso, a simplificação dos agroecossistemas provocada pela uniformização desses novos cultivares gera graves conseqüências sobre a diversidade alimentar e a manutenção de animais como abelhas e insetos polinizadores, aumentando o risco de impedir a reprodução de centenas de milhares espécies cultivadas e de seus parentes silvestres. Por outro lado, as plantas geneticamente modificadas produzem a contaminação de néctar, dos pólens, etc, com as toxinas, gerando riscos para a qualidade dos alimentos e para a saúde. É grave o impacto dos transgênicos sobre a produção familiar: eles ferem a autonomia dos agricultores e agricultoras e desencadeiam processos de contaminação das sementes e erosão das espécies.

Por tudo isso, em contrapartida, adotamos o enfoque da agroecologia como estratégia para o fortalecimento da agricultura camponesa e a construção de outro modelo de agricultura. Vemos na prática, através de inúmeras experiências no país das quais faz parte também o trabalho de assessoria e acompanhamento realizado pelas equipes da FASE que este é o caminho para ganhos reais do ponto de vista da soberania e segurança alimentar e nutricional das famílias e da sustentabilidade econômica, social e ambiental.

Temos uma posição crítica em relação às escolhas definidas pelas políticas científicas reduzidas às necessidades da tecnologia e transformadas no que se chama hoje de tecnociência. Consideramos que mesmo de forma tímida, há um crescimento de interesse do debate no Brasil, especialmente nos últimos tempos, com a aproximação e diálogo entre saúde, meio ambiente e a agricultura camponesa agroecológica, apesar de ainda estarmos longe do cenário europeu, onde crescem os movimentos de resistência à aceitação dos transgênicos, abrangendo cada vez mais amplos setores de consumidores.

Não se trata, a nosso ver, de perguntar se a população está apta a este tipo de debate, pois a oposição entre “peritos e leigos” tem um viés ideológico e é recorrentemente utilizada por defensores dessa tecnologia, que de forma falaciosa, em nome da ciência, querem desautorizar ou deslegitimar o debate cidadão. Foi o que assistimos recentemente na resposta dada por pesquisadores da CTNbio – comissão responsável pela liberação de transgênicos no Brasil – ao Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) a propósito da liberação do feijão transgênico.

É por isso que hoje – a caminho da Rio+20 – consideramos fundamental restaurar o princípio da precaução acordado no Princípio 15 da Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, de junho de 1992 que afirma: “De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental”.

Duas décadas depois da Rio92, a Rio+20 pode ser também a base de lançamento para negociações de um novo tratado: uma Convenção Internacional para a Avaliação de Novas Tecnologias (ICENT, por sua sigla em inglês), assegurando que cidadãos e cidadãs participem do debate público sobre decisões que afetam suas vidas e a natureza.

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1 Gerson Freitas Jr., Jornal Valor Econômico, edição de 08/02/2012
2 Nodari, Rubens – “Ciência precaucionária como alternativa ao reducionismo científico aplicado à biologia molecular” in Transgênicos para quem? – Agricultura, Ciência e Sociedade, Org. Magda Zanoni e Gilles Ferment, MDA, Brasilia, 2011, pag. 40 e seguintes.
3 Idem, pag.45
4 Londres, Flavia – Agrotóxicos no Brasil – um guia para ação em defesa da vida – Articulação Nacional de Agroecologia e Rede Brasileira de Justiça Ambiental, Rio de Janeiro, 2011.