14/03/2012 13:15

Nesta quinta-feira, dia 15 de março, a partir das 9h30, o professor Jean Pierre Leroy estará na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) para ministrar a aula inaugural do ano letivo de 2012.

Consultor da FASE no Núcleo Justiça Ambiental e Direitos, Leroy foi co-organizador dos relatórios do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para as Conferências Internacionais Rio 92 e Rio+5.

O evento ocorre no auditório térreo da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz). O endereço é Rua Leopoldo Bulhões, 1480 – Manguinhos, Rio de Janeiro/RJ. Depois da palestra haverá lançamento e relançamento de publicações, inclusive do título Territórios do Futuro: educação, meio ambiente e ação coletiva (Lamparina Editora e Fundação Heinrich Böll, 2010), último livro de Leroy.
Na entrevista a seguir, concedida à Editora Fiocruz, ele adiantou algumas questões que serão debatidas na palestra, intitulada Da Rio 92 à Rio+20: interrogações sobre o futuro.

Editora Fiocruz: Muitos autores contemporâneos apontam que questões ambientais seriam indissociáveis de aspectos sociais, econômicos, de saúde etc. Logo, a expressão “justiça ambiental” só poderia ser compreendida em um contexto multidisciplinar. Então, qual seria, na sua opinião, a melhor forma de definir “justiça ambiental”?

Jean Pierre Leroy: São poucos os lugares no mundo onde o ser humano não deixou a sua pegada. O capitalismo, desde o século 19, empreendeu um enorme esforço de transformação permanente da natureza, uma das bases do seu poder e do seu dinamismo. Mesmo se quiséssemos, não poderíamos fazer abstração do fato de que as questões ambientais nos remetem às relações sociais. O sistema capitalista, entendido, para além da economia, como um sistema hegemônico de poder, acoplado ao poder estatal, reforçou históricas desigualdades. Seria surpreendente que, numa época em que se aceleram seu domínio sobre os recursos naturais e seus impactos sobre os territórios e o planeta, ele não provocasse injustiça ambiental. Em 2001, realizamos um seminário que juntou ao redor dessa questão pesquisadores, ativistas de movimentos sociais e de ONGs e representantes de atingidos, no qual chegamos a definições de justiça e injustiça ambientais que continuam válidas como pontos de partida para desdobramentos conceituais e as práxis sociais e políticas. Dizíamos: “Entendemos por injustiça ambiental o mecanismo pelo qual sociedades desiguais, do ponto de vista econômico e social, destinam a maior carga dos danos ambientais do desenvolvimento às populações de baixa renda, aos grupos raciais discriminados, aos povos étnicos tradicionais, aos bairros operários, às populações marginalizadas e vulneráveis. Por justiça ambiental, ao contrário, designamos o conjunto de princípios e práticas que: a) asseguram que nenhum grupo social, seja ele étnico, racial ou de classe, suporte uma parcela desproporcional das consequências ambientais negativas de operações econômicas, de decisões de políticas e de programas federais, estaduais ou locais, assim como da ausência ou omissão de tais políticas; b) asseguram acesso justo e equitativo, direto e indireto, aos recursos ambientais do país; c) asseguram amplo acesso às informações relevantes sobre o uso dos recursos ambientais, a destinação de rejeitos e a localização de fontes de riscos ambientais, bem como processos democráticos e participativos na definição de políticas, planos, programas e projetos que lhes dizem respeito; d) favorecem a constituição de sujeitos coletivos de direitos, movimentos sociais e organizações populares para serem protagonistas na construção de modelos alternativos de desenvolvimento, que assegurem a democratização do acesso aos recursos ambientais e a sustentabilidade do seu uso” (Acselrad et alii, 2004, p.14).

Editora Fiocruz: O senhor é um dos autores do livro “Saúde e Ambiente Sustentável: estreitando nós” (Editora Fiocruz, 2002). Em seu artigo nesta coletânea, o senhor traça um panorama que revela como a ocupação da terra no Brasil, historicamente, conduziu ao latifúndio e à empresa rural, em detrimento da agricultura familiar e com prejuízos para o meio ambiente, a saúde e a segurança alimentar. Qual a importância de analisar as questões ambientais a longo prazo, em perspectiva histórica?

Jean Pierre Leroy: Para além do tempo histórico humano, dividia-se a história do planeta em tempos geológicos. Mas a pegada humana sobre o planeta tornou-se tão forte que influencia decisivamente o seu futuro, a tal ponto que autores como Ignacy Sachs falam que estamos no ‘Antropoceno’. A maioria dos cientistas concorda com as previsões de que a humanidade do futuro se defrontará com um meio ambiente em drástica e dramática transformação. Há uma larga parte de desconhecido nesse futuro, mas, pelo menos, podemos tentar nos preparar da melhor maneira possível, pensando em algumas consequências longínquas: segurança alimentar e nutricional, águas, biodiversidade, saúde etc. Nesse sentido, olhar para o passado é imprescindível, pois é ele que nos dá algumas bases para nos preparar. Do meu ponto de vista, parece-me inegável que a história do campo no Brasil não é de bom augúrio. No momento em que se deveria cuidar das águas, da biodiversidade, dos ecossistemas, dos solos etc. para o futuro, o agronegócio industrial e todas as forças econômicas, políticas e ideológicas que o compõem triunfam e impõem à sociedade o seu modelo de “terra arrasada”. Construir uma outra abordagem, valorizar outros atores sociais custa um tempo que talvez já não tenhamos.

Editora Fiocruz: No mesmo artigo, como proposta para um desenvolvimento sustentável, o senhor defende que o direito de “ficar” deveria ser tão respeitado quanto o direito de “ir e vir”. Em que consiste esse “ficar” e o que pode ser feito para garantir tal direito?

Jean Pierre Leroy: A lei de terras de 1850 vetou o acesso à terra ao camponês, que passou a morar e produzir nos interstícios do latifúndio, mas sem garantias quanto ao seu futuro. Com as colonizações, pequenos produtores rurais imigrados tiveram direito de propriedade sobre a terra, mas, no geral, o campesinato continuou vivendo um certo nomadismo: do Rio Grande o Sul para Santa Catarina e de lá para o oeste do Paraná; de Minas Gerais para Goiás e Mato Grosso; do Nordeste das secas para o Maranhão e enfim para o Pará. Como um país vai garantir cidadania a famílias que não conseguem ter seu lugar? É fácil com essa história passar a mensagem de que a pequena produção está atrasada. Ora, o enfrentamento do futuro passa, entre outras coisas, por uma reconfiguração do espaço rural/ecossistêmico: manutenção e produção de água, manutenção e produção de muitas variedades de sementes e de espécies animais e vegetais etc. Somente camponeses/agricultores familiares e agroextrativistas enraizados nos territórios, conformando territórios, apoiados por fortes políticas públicas, podem nos oferecer essa possibilidade.

Editora Fiocruz: De acordo com o site da Rio+20, “o objetivo da Conferência é assegurar um comprometimento político renovado para o desenvolvimento sustentável, avaliar o progresso feito até o momento e as lacunas que ainda existem na implementação dos resultados dos principais encontros sobre o assunto, além de abordar os novos desafios emergentes”. Sendo assim, em linhas gerais, na sua avaliação, quais foram os maiores progressos já alcançados e quais são as principais lacunas que ainda persistem? E mais: quais seriam esses desafios emergentes?

Jean Pierre Leroy: Remetendo-me às ambições e promessas da Rio 92, vejo poucos – para não dizer nenhum – avanços concretos nas coisas essenciais. As emissões de gases produtores do efeito estufa aumentam vertiginosamente, a erosão da biodiversidade se acelera, a desertificação ganha terras. Mais comunidades humanas são submetidas a poluições e contaminações. O que avançou sem dúvida é a consciência mundial do problema. De certo modo, os discursos e documentos oficiais expressam essa consciência, mas não efetivam decisões concretas. Eu concordaria com os objetivos da conferência se a economia verde não fosse considerada o meio principal de atingi-los. A economia verde não é outra coisa do que esta velha economia que conduziu o planeta/mundo ao ponto em que está, mas agora reciclada. É dramático pensar que os Estados entregaram ao capitalismo o nosso futuro. O desafio é um só, a meu ver: a sociedade – cada um de seus componentes, partidos, academia, sociedade civil organizada, movimentos sociais – reapropriar-se do debate sobre o futuro e fazer com que a política, o Estado e as instâncias internacionais públicas tomem a condução dos complexos processos de mudança que nos aguardam.

Originalmente publicado pela Editora da Fiocruz