Rebecka Santos
25/07/2025 11:00
Com o objetivo de garantir um reassentamento justo e adequado para as famílias que atualmente vivem em áreas de risco de inundação na ZEIS (Zona Especial de Interesse Social) Jardim Uchôa, no bairro de Areias, Recife, a FASE Pernambuco se uniu ao Fórum Popular do Rio Tejipió (Forte) para construir uma proposta com soluções viáveis e ancoradas nos direitos humanos. A iniciativa busca assegurar que as novas moradias oferecidas pelo ProMorar – Programa de Requalificação e Resiliência Urbana em Áreas de Vulnerabilidade Socioambiental responsável pelo reassentamento em virtude das obras de resiliência urbana – sejam construídas no próprio território da comunidade e que os moradores participem ativamente dos processos decisórios.
Intitulada “Nova Moradia na Zeis Jardim Uchôa: propostas para reassentamento de famílias de áreas de risco construída com a comunidade”, o documento é fruto desta parceria que também envolve o Instituto Transformar, a Igreja Batista do Caçote, o Instituto Nós na Criação e o Centro Dom Helder Camara de Estudos e Ação Social (CENDHEC). As ações estão sendo realizadas no âmbito do Projeto Transformar, cujo objetivo é formar lideranças evangélicas e comunitárias para incidência política em áreas com contexto de vulnerabilidade socioambiental e climática.
Em debate realizado durante atividade do projeto, revelou-se preocupações da população com a possibilidade de indenização, principalmente pela falta de clareza sobre valores e pelo receio de não conseguir adquirir outra moradia. Também houve forte rejeição à ideia de mudança para habitacionais construídos pela Prefeitura, citando problemas comuns desses empreendimentos, como perda de vínculos comunitários, distância da região de origem, baixa qualidade das construções e dificuldades de manutenção.
Diante desses impasses, as organizações parceiras propuseram a criação de uma Comissão Comunitária para construção coletiva de soluções de reassentamento mais adequadas à realidade local. A comissão foi formada por 13 moradores e trabalhou com o apoio de docentes e estudantes de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e da UniFBV. A iniciativa permitiu o avanço no desenvolvimento de propostas alternativas de moradia, a partir das diretrizes levantadas diretamente com a comunidade. Confira:
- As famílias devem ser reassentadas em locais seguros e mais próximo possível da
- comunidade (no entorno imediato);
- As novas moradias devem apresentar condições dignas de habitabilidade (dimensões, conforto ambiental, acessibilidade, etc);
- As famílias podem ser reassentadas em diversos conjuntos de porte médio e não só em grandes conjuntos (mais opções de terrenos);
- As novas edificações devem aproveitar o potencial de construção dos terrenos para viabilizar custo de desapropriação;
- No caso de grandes terrenos (glebas), eles devem ser fracionadas em parcelas para formar quadras menores e conjuntos habitacionais (condomínios) de pequeno ou médio porte, cercados por vias públicas interligadas com as ruas do bairro e atendidas por serviços públicos de manutenção urbana;
- As novas vias e espaços públicos devem contribuir para regeneração ambiental e adaptações climáticas da cidade (melhorar drenagem, ampliar solo natural, vegetação, prever áreas alagáveis e demais soluções baseadas na natureza).
Após a definição das diretrizes, foram realizadas uma série de atividades para pensar coletivamente alternativas de reassentamento. Foram promovidas oficinas para reconhecer as demandas das famílias e as condições atuais de moradia no bairro, além de mutirões para identificar terrenos disponíveis na própria comunidade. Esses terrenos foram mapeados e analisados quanto à viabilidade técnica e legal. As atividades incluíram visitas de campo, seleção conjunta de três terrenos para estudos preliminares de arquitetura e urbanismo e, por fim, uma plenária comunitária para apresentar, debater e validar as propostas elaboradas.
Monitoramento popular na prática
O documento “Nova Moradia na Zeis Jardim Uchôa: propostas para reassentamento de famílias de áreas de risco construída com a comunidade” foi entregue à Promotora da 35ª Promotoria de Justiça de Defesa da Cidadania da Capital – Habitação e Urbanismo, Drª Fernanda Henriques, e à Coordenadora do Programa ProMorar, Srª Beatriz Menezes. Essa etapa faz parte do monitoramento popular realizado pela Comissão de Moradores do Jardim Uchôa, a fim de garantir que o ProMorar viabilize terrenos para reassentamento no próprio território; projete as moradias adequadamente à segurança, às condições e características das famílias; e crie de opções de habitacionais de menor e maior porte.
A comunidade é uma das mais vulneráveis da cidade
A ZEIS Jardim Uchôa é uma das comunidades contempladas pelo ProMorar, desenvolvido pela Prefeitura do Recife com o financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Um investimento de R$2 bilhões de reais para financiar ações que, na teoria, aumentarão a resiliência da cidade frente aos eventos climáticos extremos. A bacia do Rio Tejipió, onde está o território em questão, é uma prioridade do programa. Obras públicas de grande proporção, como dragagem, perfilamento do leito do rio, construção de diques e parques lineares alagáveis, já estão em curso.
As áreas ribeirinhas do Rio Tejipió e do Canal das Laranjeiras são altamente suscetíveis às inundações causadas pelos transbordamentos desses cursos d’água durante o período chuvoso e agravadas pela elevação do nível da maré. A escassez e baixa qualidade de infraestrutura, moradia e serviços públicos, configura parte da ZEIS como Área de Risco Hidrológico Alto (R3) e, no trecho mais próximo das margens do Rio e do Canal, como Área de Risco Muito Alto (R4). Na última enchente mais severa, em maio de 2022, a comunidade foi tomada por um volume de água jamais visto nas últimas décadas, sendo uma das comunidades mais afetadas dentre tantas outras que foram impactadas em áreas ribeirinhas ou de morro.
*Comunicadora