10/11/2025 08:50

Relatório “A COP dos Lobbies” analisa a atuação de oito empresas brasileiras e multinacionais, identificando casos de greenwashing e de uso da conferência do clima em Belém como balcão de negócios “verdes”

O observatório De Olho nos Ruralistas e a FASE – Solidariedade e Educação lançam, nesta segunda-feira (10), o relatório “A COP dos Lobbies”. O estudo mapeia a influência crescente de grandes corporações brasileiras e de multinacionais nas negociações e nos espaços de deliberação da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), que será realizada em Belém (PA).

A lista de empresas analisadas inclui as mineradoras Vale e Hydro, o frigorífico MBRF (Marfrig e BRF), a sucroalcooleira Cosan, a gigante do papel e celulose Suzano, a fabricante de agrotóxicos e sementes transgênicas Bayer e os bancos Itaú e BTG Pactual.

Ao longo de 94 páginas, “A COP dos Lobbies” detalha como corporações com extensos passivos ambientais instrumentalizam o discurso da sustentabilidade corporativa e da transição verde. Essa instrumentalização se dá por meio de ações de marketing, patrocínio a veículos de imprensa e financiamento de espaços paralelos na COP — muitas vezes em parceria com ministérios, estatais e o governo do Pará, os mesmos órgãos responsáveis por fiscalizar a atuação dessas empresas.

O relatório será lançado no dia 10 de novembro com a publicação no site e nas redes sociais do De Olho nos Ruralistas e da Fase, e contará com um vídeo de 24 minutos no canal do observatório no YouTube. 

O trabalho também será divulgado durante a COP30, em um ciclo de debates na Cúpula dos Povos, evento internacional organizado por movimentos sociais, povos indígenas e organizações ambientais, que ocorre paralelamente à agenda oficial da Blue Zone e Green Zone. 

 

RESUMO EXECUTIVO: 

A pesquisa se baseia em análise documental e discursiva de materiais institucionais, campanhas e relatórios empresariais; monitoramento de investimentos, patrocínios e participação em eventos preparatórios para a COP30; e levantamento de dados públicos (tribunais de justiça, Ibama, Comissão de Valores Mobiliários, Tribunal Superior Eleitoral, relatórios de organizações internacionais, artigos científicos e reportagens publicadas na imprensa). 

Desde seu surgimento, em 1995, na esteira da Rio-92, as COPs se mantiveram no fio da navalha entre o lobby corporativo e a pressão de cientistas e ambientalistas por compromissos imediatos para restringir as emissões de gases do efeito estufa e conter as mudanças climáticas. 

Mais de trinta anos se passaram até o retorno ao Brasil, onde tudo começou. Agora, o agronegócio e a mineração não só disputam espaço nas agendas oficiais, como também conduzem os debates com espaços próprios e estrutura milionária. Será da AgriZone, financiada pela Bayer, que sairão as metas brasileiras para a redução das emissões de CO₂? Ou da Estação do Desenvolvimento, patrocinada pelas mesmas empresas que lideraram o lobby pela implosão do licenciamento ambiental no Brasil? 

As corporações que hoje apresentam planos ousados de reflorestamento e descarbonização serão cobradas por seus passivos ambientais? E pela violação de direitos de indígenas, quilombolas, ribeirinhos e camponeses — os verdadeiros defensores da natureza? 

O relatório conclui reforçando a urgência de fortalecer mecanismos de transparência, controle social e regulação do lobby empresarial nos fóruns ambientais globais. A captura empresarial da pauta climática não pode passar despercebida pelo público.  

De Olho nos Ruralistas e Fase consideram que as comunidades tradicionais acabam sendo relegadas a espaços secundários e são obrigadas a fazer pressão para serem lembradas e ouvidas. Quando deveriam estar no centro do debate, ao lado de cientistas comprometidos com a ecologia, em vez do capital.

 

DESTAQUES DO RELATÓRIO:

A COP30 como vitrine e laboratório de financeirização da natureza: bancos, mineradoras e empresas do agronegócio pautam a agenda da COP30 por meio da divulgação de programas de descarbonização, créditos de carbono e metas de net zero, com o objetivo de disseminar iniciativas brasileiras para outros países do Sul global. Essa intenção é expressa abertamente por líderes setoriais, como o enviado especial de agricultura para a COP30, Roberto Rodrigues.

Agenda corporativa vai além da Green Zone: Bayer, BTG Pactual, Cosan, Itaú, Marfrig/MBRF, Norsk Hydro, Suzano e Vale patrocinam eventos paralelos, pavilhões corporativos e “casas” próprias em Belém. Nos casos da AgriZone, focada em “agricultura sustentável”, da Estação do Desenvolvimento, em transportes, e da Casa Brasil Belém, em transição energética, o setor privado atua em parceria com órgãos públicos, incluindo ministérios, estatais, governo do Pará e prefeitura de Belém, reforçando a preponderância da agenda corporativa durante o mandato brasileiro da COP.

Imprensa, comunicação e legitimação social:  cinco das oito corporações analisadas financiaram as coberturas jornalísticas de veículos de mídia para a COP30. Cinco grandes grupos de comunicação do Brasil — Globo, Folha, Estadão, CNN e Liberal — foram contemplados com patrocínios de empresas com passivos ambientais amplamente conhecidos, levantando questionamentos sobre isenção e ética jornalística. Além do apoio direto, Itaú e Norsk Hydro financiaram treinamentos para profissionais de imprensa que irão cobrir a COP30, incluindo o patrocínio de press trips e delegações visitando projetos ambientais apoiados pelas duas empresas.

A captura empresarial da pauta climática: a criação de novas coalizões, como a Sustainable Business COP30 (SBCOP) — liderada por ex-executivos da Raízen/Cosan —, a Climate Action Solutions & Engagement (C.A.S.E.) e o Brazil Restoration and Bioeconomy (BRB) Finance Coalition exemplificam a institucionalização do lobby empresarial dentro das negociações climáticas. Entre seus patrocinadores estão Itaú e Vale — presentes nas três articulações —, BTG Pactual, Marfrig/MBRF, Hydro e Suzano.

Lobby dos agrotóxicos e controle da narrativa agrícola: a Bayer, via CropLife e Instituto Pensar Agro, integra um movimento ampliado, encabeçado pelo ideólogo do agronegócio Roberto Rodrigues, para consolidar o conceito de “agricultura tropical” e vendê-lo para outros países durante a COP30. A ampliação da produção nacional de biodefensivos (embora não substituam, em preço e volume, os agrotóxicos convencionais) e as ferramentas de agricultura de precisão desenvolvidas por AgTechs são parte essencial do novo pacote tecnológico da Revolução Verde 2.0.

Bancos e a bioeconomia de fachada: Itaú Unibanco e BTG Pactual figuram entre os maiores financiadores de projetos de reflorestamento e recuperação de áreas degradadas, mas ocultam histórico de apoio institucional e financeiro a desmatadores e setores com alto risco ambiental. No caso do BTG, pelo menos um dos projetos anunciados inclui a venda de créditos de carbono para florestas plantadas de uso comercial, incluindo pinus e eucalipto.

Greenwashing estrutural: as oito corporações analisadas no relatório financiam campanhas institucionais e educativas, séries audiovisuais e reportagens patrocinadas para se apresentar como protagonistas da transição verde, deslocando o debate sobre responsabilidade ambiental e justiça climática.