30/11/2005 11:48
Fausto Oliveira
A FASE foi premiada pela Fundação Banco do Brasil por seu trabalho em Gurupá, região ao norte do Pará. Pelo projeto de manejo dos recursos aquáticos, especificamente aplicado à pesca do camarão por comunidades locais, o Projeto de Desenvolvimento Local Gurupá, da FASE Pará, venceu o Prêmio Fundação Banco do Brasil de Tecnologia Social. O projeto Manejo Comunitário do Camarão de Água Doce existe desde 1997. Nesses anos, as mudanças introduzidas pela FASE conseguiram reverter o êxodo de Gurupá rumo às grandes cidades do norte, deu novo valor ao produto local e estabeleceu a pesca familiar de camarão como uma atividade permanente, sustentável e geradora de renda suficiente para as 16 comunidades atendidas.
A idéia central do manejo do camarão de água doce é de que mais vale capturar um camarão grande do que um punhado de camarões pequenos. Antes, os pescadores de Gurupá faziam uma pesca contra-producente e que poderia, numa hipótese extrema, ameaçar a reprodução dos camarões daquele trecho do rio Amazonas. Para fazê-los pescar os camarões maduros e deixar os pequenos se desenvolvendo no rio, a FASE sugeriu a aplicação de uma nova tecnologia social. A aplicação diária da nova técnica ficou a cargo de duas associações locais: a Associação dos Trabalhadores Agroextrativistas da Ilha das Cinzas e o Grupo de Mulheres em Ação da Ilha das Cinzas.
Segundo o engenheiro agrônomo Jorge Pinto, da FASE, o trabalho consistiu em alterar a ferramenta tradicional de pesca do camarão. Esta ferramenta chama-se matapi, um instrumento feito de fibra vegetal em forma de cilindro, com 40 centímetros de comprimento e 25 de diâmetro. Nas extremidades, o Matapi tem uma espécie de funil que facilita a entrada do camarão e dificulta sua saída. A alteração proposta foi o alargamento das “talas” do Matapi, de modo que os camarões pequenos possam sair, enquanto o grande está capturado.
Como resultado, os pescadores aumentaram em muito a qualidade do seu produto, agora totalmente comopsto por camarões graúdos de água doce limpa. “Um impacto do projeto é que o preço do camarão aumentou, antes eles cobravam R$ 0,80 por quilo e agora recebem R$ 3,50 por quilo”, diz Jorge Pinto. Além da alteração técnica, a FASE incentivou melhorias no beneficiamento do produto. Com isso, o camarão de Gurupá está hoje imune à sazonalidade, ou seja, durante todo o ano há demanda pelo camarão produzido por aquelas comunidades. A mudança social é inegável, uma vez que o camarão responde por 50% da renda familiar anual de Gurupá. A outra metade é gerada por um conjunto de atividades: açaí, palmito, extração sustentável de madeira.
Outros impactos do projeto mostram como uma intervenção bem feita sobre o desenvolvimento local pode gerar mudanças de todo tipo. “O projeto incentivou aumento na escolaridade da população. Em 1997, não havia escola e só 35% das crianças tinham aulas em espaços informais. Hoje, foi feita uma escola que vai até a 8ª série, que atende a 200 alunos, o que representa 100% das crianças em idade escolar”, afirma o engenheiro da FASE. A infra-estrutura do local também teve incrementos, com instalação de redes de luz e água encanada.
Um aspecto que merece a menção é que o projeto teve atenção às desigualdades de gênero. Para enfrentar a questão, a FASE inseriu as mulheres das 16 comunidades no processo produtivo. Seu papel é crucial: confeccionar o matapi ecológico, aquele feito a partir das alterações técnicas sugeridas pelo projeto. A produção do matapi é regular, cada família de pescadores precisa de, em média, 150 matapis por ano.
Por fim, o projeto de desenvolvimento premiado agiu sobre um aspecto que é uma tradição na ação da FASE, a sustentação do ambiente. Com o novo matapi e a liberdade dos camarões novos, preserva-se uma parte do ecossistema do rio Amazonas. A biodiversidade amazônica agradece. O complexo de ações integradas e resultados transformadores, todos em direção à geração de desenvolvimento com sustentabilidade e aumento da qualidade de vida de um coletivo humano, foi percebido pelos jurados do prêmio da Fundação Banco do Brasil. Resta agora o convencimento dos poderes públicos brasileiros (federal, estaduais e municipais). Os governos precisam aprender com as experiências de ONGs e associações de trabalhadores que existe um novo modelo de desenvolvimento possível. Ele é sustentável, limpo e desconcentra a riqueza.