03/12/2010 14:27

A diretora da Fase Letícia Tura viveu e militou por anos na Amazônia, apoiando o trabalho de diversos movimentos sociais, associações de trabalhadores e demais grupos organizados que defendem direitos sociais e ambientais e sempre estievram engajados na luta por um outro modelo de desenvolvimento para a região. Com o encerramento de mais essa edição do Fórum Social Pan-Amazônico, a Fase apresenta esta entrevista com algumas de suas reflexões sobre o sentido da Pan-Amazônia, suas implicações sociais e políticas na luta por uma Amazônia viva para todos os povos.

Como nasceu e o que é o conceito de Pan-Amazônia?

A Pan-Amazônia envolve os países que têm a floresta amazônica em seu território. Colômbia, Peru, Venezuela, Equador, Bolívia, as Guianas e o Suriname, além do Brasil. O movimento social se apropriou desse conceito como sendo um conceito de luta desses povos. Porque a Amazônia não é só uma questão física e geográfica, mas são povos que enfrentam os mesmos problemas de viverem e sobreviverem numa das últimas reservas de floresta tropical úmida no mundo, e também uma das últimas reservas dessa biodiversidade. Os países da Pan-Amazônia sofrem grandes pressões de setores empresariais, uma série de interesses econômicos pelas riquezas materiais do lugar, seja minério, madeira, biodiversidade. A Pan-Amazônia é uma categoria de luta e a construção de uma identidade para a luta.

Já se pode falar de uma cultura pan-amazônica? Essa luta está culturalmente enraizada?

Isso é algo que vem sendo construído. O Fórum Social Pan-Amazônico começou em 2002, e desde então tem sido construída essa identidade como categoria de luta. Na região, já existiam outras iniciativas, como a Unamaz, uma universidade que reúne centros das várias universidades da região, e que tem uma sede em Belém. Essa noção pan-amazônica já existe há bastante tempo. Mas essa noção de uma identidade de luta vem sendo reforçada a cada fórum social pan-amazônico.

Hoje é possível identificar uma unidade nessas lutas, já que são grupos tão distintos com necessidades e interesses diferentes?

Vejo que tem uma discussão grande em torno da própria identidade, uma discussão cultural que unifica. Todo Fórum Social Pan-Amazônico, aparece forte a discussão sobre a identidade cultural negra, indígena, da etnia. Mas no sentido de valorizar a diversidade cultural. Um ponto de unidade de todos os movimentos é de que a gente deve fortalecer a diversidade. Isso é unânime. Não se tem a mínima perspectiva de buscar uma identidade única ou alguma identidade que sintetize todas as outras. Uma afirmação permanente do fórum é o reconhecimento e a valorização das diferenças. Sempre há manifestações indígenas, negras, de mulheres, das diferentes regiões e línguas. Uma coisa que também unifica é a discussão sobre terra e território. É uma discussão que tem perpassado todos os fóruns sociais, as diferentes lutas por território e terra, assim como também os ataques que essas populações vêm sofrendo. Tem as discussões que vêm dos Andes que falam sobre estados plurinacionais, a questão do Bem Viver etc. Isso já se encontra com o debate do uso e acesso aos recursos naturais: o direito desses povos de ter garantido seu acesso. A discussão do território traz consigo a necessidade de não cercear o direito dos povos de uso e acesso aos recursos naturais. E assim como à sua preservação. Porque, na verdade, para quem vive da e na floresta, a preservação está muito associada ao uso sustentável que essas populações fazem dos recursos naturais. Eles precisam desses recursos para sobreviver. São indissociáveis, em qualquer discussão na Amazônia, a questão social e ambiental. Dentro disso também tem a discussão do IIRSA, da integração regional, uma outra forma de integrar que não seja apenas em função da estrutura de empreendimentos econômicos e grandes projetos como hidrelétricas, portos e aeroportos, mas uma integração para melhoria da qualidade de vida das populações.

Como você vê que essa movimentação pan-amazônica conseguirá dialogar com o mundo, já que a Amazônia é uma questão mundial?

Eu acho que essa é uma questão fundamental. No Brasil, a gente tenta falar que a Amazônia é uma questão nacional no sentido de que não pode ser preocupação só dos povos da região. E muito menos deve ser uma preocupação nacional só quando se refere a estrutura, ou seja, só quando se precisa de água, potenciais hídricos para energia, e aí se pensa que a Amazônia é uma questão nacional. Não. Ela deve ser pensada para além disso. E quando se pensa um processo como o do Fórum Social Pan-Amazônico, ele já pensa em dialogar com outros processos no mundo, exatamente para quebrar esse isolamento. Ele quer ser uma iniciativa que se insere num calendário global de manifestações. Já houve o Fórum Social Mundial de Belém, em início de 2009, o que já foi um grande momento de inserção da pauta amazônica no calendário do mundo e de ver o que esses povos da floresta sofrem e produzem de alternativas e conquistas. É um processo cumulativo, e certamente vai ser acumulada uma força para o próximo FSM em Dacar, em 2011.