31/03/2006 18:41

Fausto Oliveira

Aconteceu na semana passada, no México, o 4ª Fórum Mundial da Água. O evento é uma espécie de reprodução do Fórum Econômico de Davos para as questões relativas à água doce no mundo. Ou seja, é nele que o Banco Mundial, o FMI, o Banco Interamericano de Desenvolvimento se juntam a empresas de água multinacionais como a Nestlé, a Suez e a Vivendi para formular maneiras de se apropriar de algo quepertence a todos: a água doce, fundamental para a vida. Logicamente, movimentos sociais e ONGs de todas as partes do planeta compareceram para protestar e fazer um fórum alternativo. E o saldo foi positivo: o fórum oficial foi esvaziado, enquanto as entidades fizeram um bom trabalho de divulgação do princípio de que água é direito humano universal e inalienável. Mais uma vez, ficou patente que não se pode privatizar algo que é fundamental para todos.

Mabel Faria Melo esteve na Cidade do México representando a FASE e a Rede Brasileira pela Integração dos Povos, a Rebrip. Ela contou que, de tão ilegítimo, o Fórum Mundial da Água precisou fazer estripulias para acontecer. “Eles ficaram surpreendidos porque escolheram como sede a região que mais se opõe às políticas neoliberais e à privatização da água em todos os casos, que é a América Latina”, diz ela. Houve um boato de que talvez os organizadores nem mesmo abrissem os trabalhos do fórum, mas isso não se confirmou. Mesmo assim, aprontaram uma reunião de ministros de países para conferir legitimidade ao encontro. “Eles queriam fazer do fórum um local de definição de políticas, mas não é num espaço de Banco Mundial e transnacionais que se vai discutir políticas, por isso reuniram os ministros”, contou Mabel.

A reunião dos próceres da liberalização da água nos países em desenvolvimento aconteceu num momento ruim para as grandes corporações internacionais do ramo. Várias estão passando por questionamentos nos locais onde conseguiram entrar e, em vários casos, estão sendo retiradas dos serviços. “Desenvolveram estratégias novas para aumentar a privatização”, diz Mabel. Como os movimentos sociais pressionam pela manutenção dos serviços de água em mãos públicas, as empresas agora concordam em apenas fazer parcerias público-privadas. “Eles não têm problema que a água fique em mãos públicas, desde que com fins privados”, afirma a assessora da FASE.

Transnacionais expulsas – Os casos de privatização da água revelam como essa opção é extremamente impopular entre os povos. Em Cochabamba, na Bolívia, o povo rebelou-se em 2000 e, no que ficou conhecido como Guerra da Água, expulsou a empresa Suez, pois ela havia começado a cobrar taxas exorbitantes pelo consumo de água. A mesma Suez é concessionária de serviços de captação e distribuição de água em Manaus, e o povo da capital amazonense está cada vez mais insatisfeito com a qualidade da água e com a distribuição cada vez pior. Na cidade argentina de Santa Fé, a Suez foi retirada do serviço de água, e o mesmo está para acontecer em Córdoba e na grande Buenos Aires.

As próprias transnacionais têm consciência do grau de imoralidade presente na apropriação privada da água. Prova disso é que o governo de Evo Morales, da Bolívia, recebeu uma proposta do Banco Mundial de apoio para fazer uma empresa pública de água no país e mais US$ 12 milhões para ressarcir a Suez em parte do que ela cobra do governo pela quebra de contrato pelo caso de Cochabamba. Por que tanta “generosidade”? Em troca, o Banco Mundial queria a saída amigável da Suez, ou seja, sem denúncias internacionais contra a empresa que a obrigassem a passar pelo vexame mundial de sacrificar um povo em nome de seus lucros.

O governo da Bolívia não deu resposta imediatamente, mas tornou pública a proposta, sobre a qual o Banco Mundial pediu sigilo absoluto. É importante para se ver como o grande capitalismo internacional reconhece na sua atividade algo que é indefensável. Por esta mesma razão, estes encontros servem para que as grandes empresas reformulem seu discurso. O que pode ser um progresso para os defensores da água como um direito humano fundamental. “A declaração final do encontro não tem a expressão direito humano, mas isso circulou pelo fórum o tempo inteiro. A possibilidade de considerarem a água como direito humano não existia, hoje já aceitam propostas como a que defende um mínimo de 40 litros por pessoa por dia, por exemplo”, diz Mabel. Sinais de que, quando o assunto é água, ficam claras as intenções privatistas nefastas. Tão claras que todas as populações se levantam contra ela em revolta, pois sentem que estão lhes roubando a vida.