04/05/2010 12:26

No final de abril, representantes de mais de cem países foram à Bolívia atender uma convocação do presidente daquele país, Evo Morales, para um debate mundial sobre o clima e a natureza. Na cidade de Cochabamba realizou-se a Conferência Mundial dos Povos sobre Mudanças Climáticas e Direitos da Mãe Terra. A conferência foi uma resposta de governos e organizações sociais que ao grande fracasso das negociações por um acordo em Copenhague, em dezembro de 2009, quando o mundo viu naufragar a COP-15 e, com ela, a chance de um acordo que desde já combatesse de maneira mais efetiva o aquecimento do planeta. Já sabemos que as mudanças climáticas são sim provocadas, em grande parte, pela ação humana sobre o ambiente. E sabemos, cada dia com mais dor e preocupação, que seus efeitos serão sempre difíceis de lidar. Assim, cabe ao movimento que se intensifica a cada dia uma posição mais enfática em favor de um novo rumo. Este foi o propósito da conferência de Cochabamba, à qual compareceu a técnica da Fase e representantes da Rede Brasileira pela Integração dos Povos Maureen Santos, que oferece este relato.

Maureen Santos

Na semana de 19 de abril teve início a Conferência Mundial dos Povos sobre Mudanças Climáticas e Direitos da Mãe Terra, em Cochabamba, na Bolívia. Com uma ampla convocação, incluindo governos e sociedade civil, contou com a participação de mais de 35 mil pessoas, sendo 48 governos e representantes de diversos segmentos sociais de 130 países, desde organizações camponesas e povos tradicionais a ONGs, redes, sindicatos, juventude e movimentos sociais, com destaque para as nações indígenas que levaram todo seu clamor e força para a Conferência.

Quem lá esteve pôde sentir toda esta diversidade, demonstrada nos calorosos debates nos grupos de trabalho e na mesa 18, nos espaços de merenda e de atividades culturais, nas místicas, nas oficinas, nas plenárias oficiais. Estava tudo lá, ao mesmo tempo. Talvez tenha faltado uma marcha, que com certeza demonstraria toda aquela força pulsante reunida em torno da temática do clima e levaria ainda mais cores e esperanças para as lutas sociais e para os povos do mundo.

Frente ao fracasso do que foi Copenhague, do ponto de vista de gerar propostas concretas para frear o aquecimento global e, portanto, as mudanças climáticas, a Conferência de Cochabamba saiu com um saldo bastante positivo e nos levou a refletir sobre a crise dos espaços multilaterais existentes. A metodologia dos grupos de trabalho funcionou, de maneira geral, e os resultados foram muito expressivos como em florestas, adaptação, financiamento, perigos do mercado de carbono, agricultura e soberania alimentar e direitos da Mãe Terra, que problematizaram os temas, apontando soluções concretas e trazendo alternativas. A declaração final chamada Acordo de los Pueblos apontou algumas destas propostas, mas por ter que se limitar a um número reduzido de páginas, não representa toda a riqueza dos resultados dos grupos, por isso vale a pena uma leitura atenta de cada documento.

As alternativas já valeriam por toda Conferência, pois parte dos entraves presentes no dia-a-dia das lutas sociais estão na dificuldade em unificar para além da resistência e isso foi possível graças à possibilidade de se juntar para debater, propor, trocar experiências, discordar, concordar. E assim, abriu-se um precedente importante para um caminho futuro: o sentimento de que as convergências são possíveis, que os movimentos e organizações sociais podem avançar ainda mais na luta contra este modelo usurpador de vidas, sonhos, conhecimentos tradicionais e da natureza.

Aliás, este foi um dos grandes temas da Conferência, de que a Mãe Terra tem seus direitos, de que nós fazemos parte dela, e não de que ela está disponível para nos servir. Alberto Acosta, em seu artigo “Hacia la Declaración Universal de los Derechos de Naturaleza” sintetiza bem esta idéia ao falar sobre a necessidade de resgatar as dimensões da sustentabilidade, exigindo uma nova ética de organização da vida e para isso, os objetivos econômicos devem estar subordinados à leis de funcionamento dos sistemas naturais. Os direitos da Mãe Terra são uma contribuição fundamental da Cosmovisão indígena e do Bem Viver, que nos trazem diversos desafios no sentido de como estender esta visão para além da América Latina e relacionar com o debate sobre as cidades.

O debate sobre o Referendum vai neste mesmo caminho, pois o mesmo é um instrumento importantíssimo de conquistas e lutas na América Latina e na Europa, mas como estender este modelo para regiões que não têm a cultura política de utilização deste mecanismo? Para pensar o mundo é preciso ter em mente a diversidade que isso implica e ter esta preocupação sempre presente no desenrolar das propostas e ações.

Foi positivo ver governos presentes nas plenárias, assistindo e escutando o que as organizações sociais tinham a dizer e a participação de representantes da sociedade civil na leitura dos resultados dos grupos de trabalho durante a atividade com os Chefes de Estado e representantes de governos. Porém, a participação dos governos convidados poderia ter sido mais eficiente, com mais disposição para o diálogo durante os debates e mais efetivamente nos grupos de trabalho. No caso brasileiro, apesar da presença de um Embaixador, a participação do governo poderia ter sido muito mais efetiva.

Saímos de Cochabamba com muitas tarefas, entre elas pressionar nacionalmente para que os resultados da Conferência possam ser incorporados por nossos governos em seu posicionamento nas negociações e nas legislações nacionais e não deixar para que a pressão seja feita somente na COP 16, em Cancun, México. Não nos resta dúvida de que há um longo caminho pela frente, mas temos a esperança renovada.