Pedro Martins e Yuri Rodrigues
02/12/2024 10:40

O fato de Santarém estar nesse momento com o segundo pior índice de qualidade do ar do planeta é uma marca particular surpreendente e atual, assim como a seca histórica dos rios da Amazônia está correlacionada ao nível de acúmulo de gases de efeito estufa atingido em 2024. No entanto, o descaso com a população de Santarém é a reprodução de uma forma antiga, colonial e segregadora da sociedade que impõe um lugar de descaso para a Amazônia.

Santarém está situada no Oeste do Pará, na região do Baixo Tapajós, composta também pelos municípios de Belterra e Mojuí do Campos.  Juntos, esses três municípios somam um total de quase 380 mil habitantes, de acordo com o IBGE, que nesse segundo semestre do ano estão sofrendo com a seca dos Rios Tapajós, Amazonas e seus afluentes. Tal como em 2023, a estiagem e o aumento da temperatura da água provocam morte de grande quantidade de peixes e outras espécies aquáticas. Da mesma forma, a falta de chuva tem desorganizado o calendário produtivo, prejudicando as colheitas e ameaçando a segurança e soberania alimentar e nutricional.

Entre outubro e novembro, o Baixo Tapajós chegou a registrar, segundo a plataforma Terra Brasilis, mais de 350 focos de incêndio, que somados às queimadas nos municípios vizinhos, provocaram a poluição do ar em dimensão insalubre para seus habitantes. Em termos meteorológicos, a Amazônia brasileira está situada na Zona de convergência intertropical, assim como a maior parte do Brasil, porém, possui características geográficas e socioeconômicas específicas que intensificaram os danos climáticos.

No primeiro momento, vimos a naturalização da fumaça. Isso significa que a população em geral se preocupava com a poluição do ar, mas, ao mesmo tempo aceitava o que ocorria e acreditava que duraria pouco tempo. No mês de novembro, índices ainda mais alarmantes foram constatados. O Governo municipal não atuou de maneira eficiente, o Estado também não. O Governo federal investiu para a proteção de áreas em chamas desde o Pantanal até a Amazônia, mas não foi suficiente.

O fogo é utilizado como forma de abrir a floresta para especulação da terra. Próximo a PA-370, a Transuruará, rodovia com obras de pavimentação, a incidência de focos de incêndio é maior. Apesar do difícil acesso ao local, o uso de imagens de Satélite permitiu o monitoramento das áreas e as florestas em chamas que estão registradas nos nomes de seus supostos donos por meio da plataforma do cadastro ambiental rural. A repressão aos crimes ambientais poderia ser feita com apoio da Lei do Manejo Integrado do Fogo, mas o Estado (município, Estado e União) e a sociedade brasileira reproduziram a invenção colonial de ler a Amazônia como “vazio demográfico”, que é uma ferramenta eficaz de avanço do capitalismo e hoje atualizada nas formas de se dar menor importância aos se,us povos.

Abrir a janela de casa e se deparar com uma cidade cinza, sufocante e irrespirável, tem sido a sensação angustiante que acompanha o cotidiano da população que vive no município de Santarém e região, nos últimos dias. A fumaça chega de forma silenciosa, refletindo em problemas físicos, principalmente nos olhos, pele e sistema respiratório, sem contar os impactos na saúde psicológica, pela incerteza e distanciamento do bem-viver. Segundo informações do G1 Santarém, a UPA 24H atendeu 1.045 pacientes com sintomas respiratórios em Santarém no mês de novembro

Afetando drasticamente a qualidade de vida, a fumaça, além de ser um incômodo diário e memória presente de crimes ambientais de grande proporção, também exala o cheiro da impunidade, falta de transparência ambiental e negligência dos governantes. 

Há pelo menos 03 (três) meses esse contexto ambiental se tornou mais presente e não há nenhum protocolo de saúde oficial emitido pelo Governo Municipal. Somente no dia 25 de novembro que o município decretou estado de emergência ambiental, que, embora tenha sido uma medida adequada, foi tardia. De modo similar, apenas no último dia 30/12/24 que o Governo do Estado reforçou o combate dos incêndios no oeste do Pará.

Se no contexto urbano a realidade já é complexa, os problemas nos territórios das águas, campos e florestas, aprofundam-se ainda mais. Isso porque, além dos desafios estruturais e históricos de acesso a políticas básicas, os comunitários estão impedidos de manter suas práticas comuns de pesca, caça, na feitura dos seus roçados, ao passo que são sufocados pelas queimadas das florestas advindas do cenário de seca extrema extrema.

O município de Santarém já registrou o pior índice de Qualidade do Ar (IQar) do Brasil e o segundo maior do mundo. O que fazer para que a fumaça que tem adoecido a população do Oeste do Pará também atraia a comoção e os olhares nacionais e internacionais, assim como ocorreu no contexto das enchentes no Rio Grande do Sul? A história se refaz no presente e demonstra como a forma de olhar para a região Amazônica ainda reproduz as heranças do processo de colonização, ao não enxergar quem garante, na maior parte, a manutenção desse grande território.

Apesar da negligência do Governo Municipal, da distância do Governo Federal e de um Governo Estadual focado em um discurso ambiental completamente desvinculado da realidade paraense para além de Belém e da COP30, comunicadores independentes, sociedade civil organizada, movimentos sociais e defensores/as ambientais tem ecoado diariamente uma voz coletiva de denúncias e de divulgação de medidas preventivas de saúde, diante do contexto de alta poluição do ar.

E é nesse sentido que os movimentos sociais têm mobilizado a população para participar da Marcha pelo Clima, a ocorrer no dia 02/12/24, às 17h00min, em frente ao Centro Regional de Governo de Santarém, na Rua 15 a de agosto, entre Siqueira Campos e Floriano Peixoto.

Foto: Luiz Fernando Rocha Miranda

*Educadores da FASE Amazônia