02/09/2022 14:22

Aércio Barbosa de Oliveira*

É indiscutível que a violência sempre esteve entre nós. O ser humano também pode ser extremamente violento, como pode ser amoroso, solidário e exercer tantas outras virtudes. Há quem diga que as circunstâncias produzem a ação, seja ela boa ou ruim. Não é exagero afirmar que a história mais parece patíbulo. São guerras, disputas de poder, racismo, escravização, revoluções e tantas outras formas de subjugação responsáveis por milhares de mortes. Nas eras moderna e contemporânea do Ocidente buscou-se mecanismos para recalcar esse nosso instinto tão primário. Educação em casa ou na escola, a criação de instituições para conter a violência, reduzir a desigualdade socioeconômica, conter o uso de armas, propagar a paz, estimular a prática esportiva e a produção e fruição da arte, etc. Todas as maneiras possíveis para conter nossos demônios. 

Infelizmente a paz nunca foi algo que se universalizou. Uma certa paz e afluência num país ou em um continente foi garantida oprimindo outros povos, países e modos de vida. Assim aconteceu na Europa ao colonizar os povos do continente africano e asiático. Os Estados Unidos garantiram um nível de bem-estar para parte expressiva da sua população, especialmente as famílias brancas, apoiando ditaduras. E assim tem caminhado a Humanidade. Sem esquecer a violência no interior das sociedades, principalmente aquelas marcadas pela desigualdade.

No entanto, chama a atenção o quanto essa violência tem ganhado espaço na política. O século XXI pode ser caracterizado como aquele do predomínio da violência, da insegurança física e psíquica. O discurso do ódio, belicoso, de ativistas e agentes que ocupam as esfera política formal tem se agudizado e, infelizmente, normalizado. Nas redes sociais, as travas de contenção da violência verbal parecem que foram substituídas pelo vale-tudo.  Invasão do Capitólio, estimulado pelo presidente derrotado nas últimas eleições dos EUA, em uma evidente tentativa de golpe; nas Filipinas se elege um presidente que defende ardorosamente a eliminação física de oponentes políticos e criminosos; na Rússia um déspota declara guerra à Ucrânia. Neste país, vicejavam e vicejam células neonazistas. Exemplos não faltam para reforçar a avaliação de que entramos numa época de extrema violência, com consequências gravíssimas, sobretudo para os estratos sociais mais empobrecidos, despossuídos de poder econômico e limitada capacidade de influenciar nas decisões políticas.

Ontem, o noticiário confirmou esse momento tão sensível da nossa história presente. Na parte da manhã, alguns jornais divulgaram que o número de armas de fogo no Brasil, nas mãos de CACs (caçadores, atiradores e colecionadores), chegou a um milhão em junho deste ano. O crescimento foi de 187% em relação a 2018, antes do atual governo da República tomar posse. No Brasil, temos cerca de 700 mil pessoas andando armadas sem fiscalização ou com pouca. Bolsonaro já editou 19 decretos, 17 portarias, duas resoluções, três instruções normativas e dois projetos de lei que flexibilizam as regras para ter acesso a armas e munições. À noite, para fechar o dia, uma pessoa que assume ideias neonazistas, brasileira, tenta assassinar a vice-presidenta da Argentina Cristina Kirchner. 

Numa escala estadual, no Rio de Janeiro, um estado que durante décadas elegeu governadores do campo democrático, ajudou a eleger o atual presidente da República, parlamentares e senadores que têm o hábito de agraciar com comendas e títulos honoríficos policiais violentos, agentes do Estado que a Justiça comprovou que integravam ou integram milícias; temos nas Câmaras, na Assembleia Legislativa do estado, e em postos-chave do governo apologistas da violência armada, da pena de morte, que defendem o avanço das milicias nos territórios e dentro das instituições estatais. 

O momento é crítico. Mais uma vez teremos uma eleição e com ela a oportunidade de mudar essa realidade tão dura. O avanço da violência é o declínio de qualquer tipo de sociedade. Esse declínio tende a acelerar quando ela domina a política.

*Coordenador da FASE Rio e integrante do Grupo Nacional de Assessoria