22/11/2007 17:00
Coesão social: um novo remédio ou a falsa consciência da desigualdade?
Pedro Cláudio Cunca Bocayuva (FASE-Brasil)
Diretor da Fase
No âmbito da preparação do encontro de cúpula de chefes de Estado da América Latina e Caribe e da União Européia previsto para 2008 em Lima, realizou-se entre 23 e 25 de setembro, em Santiago do Chile, o Foro Sobre Cohesión Social Unión Europea, América Latina e Caribe. A composição do Foro foi basicamente governamental, estando presentes ministros, diplomadas e especialistas dos governos de diferentes países, agências internacionais e alguns representantes de ONGs, capitaneados por ALOP. Forjado no âmbito tecnocrático, o conceito de coesão social visa estabelecer a questão da exclusão social como uma distorção e um problema que afeta o contexto de crescimento econômico na América Latina e Caribe. Pudemos observar ao longo do processo do Foro um discurso técnico e uma abordagem política da nova retórica que acompanha a implantação da dinâmica da economia global, na forma das economias abertas (neoliberalizadas) e orientadas para a inserção competitiva orientada pelas exportações, principalmente de commodities.
Do lado da União Européia e das agências internacionais, a superação das desigualdades e da exclusão depende de um regime adequado de gestão e implementação de políticas de consenso, com ênfase no intercâmbio e desenvolvimento de boas práticas de diálogo político e social, e de gestão eficiente dos recursos. Para a América Latina e Caribe, o discurso político de maior impacto é o da capacidade de complementar os acertos da economia neoliberal de crescimento, visando políticas eficientes para o social, o que inclui uma mobilização de empresas responsáveis e agentes sociais como voluntariado e políticas de segurança pública no combate aos processos de delinqüência que afetam as sociedades em processo de crescimento. O discurso do Vice-Presidente do Chile Alejandro Foxley parece ter sido a síntese dessa visão que funcionaliza a sociedade civil para cooperar com as medidas do projeto de governabilidade adequado ao novo padrão de economia aberta, que alcança êxito com esses efeitos de distorção.
Os temas estruturais da dependência, do endividamento, dos conflitos sociais e ambientais, da marginalização e da precarização das relações de trabalho são blindados na recusa a qualquer tipo de leitura crítica ou anti-sistêmica. O caminho virtuoso e ou naturalizado é tão bom que até os franceses, representando o seu novo governo, elogiaram as nossas políticas fiscais restritivas ao gasto público. O fato de naturalizar o modelo neoliberal e pensar, de maneira funcional para a estabilidade institucional e para a governabilidade, o tema da exclusão social torna a questão da desigualdade um objeto técnico-político. Os efeitos para uma política de integração nessa área se reduziriam ao processo de intercâmbio e informação. A integração se torna um resultado lógico da inserção nas dinâmicas da economia global. Essa visão parece marcar uma trajetória de recusa do pensamento político e social das teorias e das práticas críticas ao padrão de desenvolvimento desigual. Caberia estudar o papel que está tendo nesse aggiornamento a formulação da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe – CEPAL.
Poderíamos considerar que o pensamento oficial latino-americano resolveu fundir as recomendações do consenso de Washington com uma leitura própria dos mecanismos de orientação schumpeteriana para políticas ativas de inserção econômica, implementando um modelo orientado para a exportação que mantém as bases do desenvolvimento desigual e combinado, numa dialética da dependência acentuada. O discurso da Coesão Social das boas intenções visa gerar integração via controle social, combinando políticas de segurança policial com ações focalizadas que devem co-responsabilizar a sociedade civil como agente de colaboração voluntário para as políticas de governo. Essa sensação se amplia quando assistimos os ouvidos surdos em relação ao pronunciamento do representante da Bolívia que insistia num outro modelo, as reflexões que não foram comentadas da representante da Finlândia, ou o silêncio diante dos protestos da representante de ONG chilena, que lembrava ao seu governo e aos presentes os questionamentos dos estudantes secundaristas chilenos, os “pingüins”(lembrando o seu uniforme escolar).
Muitos governos apresentaram discursos e metodologias distintas para políticas de redistribuição direta (Brasil e Argentina) ou para Saúde e Educação (Cuba e Venezuela), ou ainda para o trabalho (Alemanha, Espanha – sindicatos europeus –, Eslovênia, Honduras), mas deixaram de realizar uma crítica política e conceitual ao discurso da falsa consciência do problema. As tarefas de mobilização e crítica ao modelo econômico hegemônico ou ao seu discurso instituído exigem uma mobilização ativa das ONGs e movimentos sociais, tanto na análise crítica das suas implicações políticas para as práticas dos governos da região, quanto pelos seus efeitos de funcionalização e naturalização dos processos de exclusão em curso. Tais processos reciclam a forma de revolução passiva e a fuga para adiante do padrão de desenvolvimento desigual e da dependência no econômico e no social, com amplas ameaças para os que resistem e se rebelam. Estes poderão rapidamente ser qualificados como delinqüentes num cenário de naturalização de discursos e chamadas para ordem e para o trabalho voluntário servil e funcional ao modelo de economia aberta e competitiva (sic).