08/09/2010 11:32

Por Fátima Mello

A política externa brasileira sempre foi vista pelo grande empresariado industrial e do agronegócio como propriedade desses setores.

Sob a alegação de ser uma política de Estado, confundia-se interesse nacional com seus próprios interesses.

Ao longo dos últimos anos novas agendas e novos atores passaram a disputar os rumos da política externa, visando a democratizá-la e torná-la uma política pública que reflita os interesses múltiplos e conflitantes que existem na sociedade brasileira. Trabalhadores urbanos e rurais, consumidores, ambientalistas, organizações que defendem direitos sociais e serviços públicos universais passaram a questionar as prioridades das grandes corporações que sempre orientaram a atuação externa do Brasil.

Passaram também a pressionar para que a agenda de direitos, da sustentabilidade ambiental e de garantia das políticas de saúde, educação, serviços públicos, segurança e soberania alimentar passe a orientar a formulação da política externa.

Tais organizações e movimentos sociais defendem uma agenda diferenciada de integração do Brasil com os países da América Latina e com outros países do Sul. Propõem o controle social da atuação de empresas dentro e fora do Brasil, demandando garantias e contrapartidas sociais e ambientais das empresas multinacionais, inclusive das empresas brasileiras que estão se internacionalizando, e exigindo o cumprimento das regulações existentes para elas no plano internacional e na legislação nacional. Defendem que a política externa incorpore como diretriz central a defesa da dimensão ambiental, priorizando a articulação da posição externa com políticas internas de transição para uma economia de baixo carbono, que inclua a diversificação da matriz energética, a defesa dos sistemas agroecológicos da agricultura familiar e camponesa, o respeito aos territórios das populações tradicionais. Defendem que os direitos sociais prevaleçam sobre os interesses meramente comerciais.

Para que os interesses múltiplos e conflitantes existentes na sociedade brasileira possam ser processados, mediados e por fim traduzidos em posição externa é necessária a criação de um espaço institucional que inclua esta diversidade de atores e agendas. Os espaços e dinâmicas existentes até agora – sejam a Camex, as consultas ad hoc, as reuniões realizadas em gabinetes de ministérios com os grupos empresariais de pressão – já não são mais aceitáveis porque deixam importantes setores sociais e agendas do lado de fora, sem interlocução. A proposta de criação de um Conselho de Política Externa reforçaria o papel do Ministério das Relações Exteriores como o lócus de mediação, formulação e condução da política externa, conferindo legitimidade às definições dessa política. O conflito e a democratização do processo decisório na política externa são sinais positivos, pois contribuem para a democratização do Estado. E isso deve ser visto como prioridade pelo próximo governo.

** Fátima Mello é coordenadora do Núcleo Brasil Sustentável Alternativas à Globalização, da Fase, e também secretária executiva da Rede Brasileira pela Integração dos Povos, entidade pela qual publicou o artigo.

Este artigo foi publicado na edição do jornal O Globo de 8 de setembro de 2010.