28/06/2006 12:54

Pedro Cláudio Cunca Bocayuva
Doutor em Planejamento Urbano e Regional pelo IPPUR/UFRJ
Diretor da FASE

No ano de 2006 comemoramos quarenta anos do lançamento do PIDESC – Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, e vinte anos da Declaração da ONU Sobre o Direito ao Desenvolvimento. O primeiro traduz as contradições relativas aos aspectos das políticas e do Estado de bem-estar social que ultrapassam a leitura restrita dos direitos na chave das liberdades negativas, na constituição dos direitos internacionais dos direitos humanos. O segundo traduz as contradições dos processos de modernização e desenvolvimento desigual das diferentes formações históricas saídas do colonialismo, levando em conta as questões da periferia do sistema mundo.

Na América Latina, nas diferentes conjunturas que vão dos temas legados pelas relações centro-periferia na chave econômica, aos temas do desenvolvimento com eqüidade na chave da leitura social, o pensamento da CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, do PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, da UNCTAD – Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento, da FAO – Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação e da UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura produziram e produzem diferentes impactos. Esses debates remetem ao quadro brasileiro de formulação dos temas do desenvolvimento que procurou responder aos desafios postos pelos diferentes contextos políticos que, grosso modo, pode ser periodizado pelos processos reais do desenvolvimentismo com cidadania regulada, da modernização autoritária com controle e violência institucional e das tensões atuais entre democratização e neoliberalismo.

As controvérsias sobre os processos de endogeinização ou orientação para formas de inserção mais aberta da economia, das relações entre mercado interno e mercado externo, liberalização ou intervencionismo, concentração ou redistribuição de renda, geraram o quadro contraditório de transições democráticas bloqueadas, de um lado pelo legado histórico autoritário e oligárquico e, de outro, pela força dos condicionamentos dos processos de ajuste e reestruturação definidos pela lógica dominante da globalização financeira. O quadro institucional real do Brasil e do conjunto do subcontinente latino-americano foi moldado em ciclos de crise e ajuste estrutural, passando pela dinâmica do endividamento, pelos processos de abertura liberal, pela desregulação e pela privatização, que formaram os quadros históricos de desconexão e desfiliação de direitos econômicos, sociais e culturais, com intensificação dos eixos de acumulação ilimitada de capital forçado pela dinâmica de acumulação intensificada.

Esses processos se acentuam articulados com os padrões de consumo e a nova esfera comunicacional-informacional concatenada pela desterritorialização de capitais apoiada nas redes de fluxos imateriais. Aqui as formas jurídicas de propriedade remetem para novos conflitos e direitos disputando serviços, inteligência, criação, formas de reprodução sócio-cultural, acentuando a necessidade de redefinir as bases para uma reterritorialização dos direitos. Os temas da integração regional e da sociedade civil internacional se relacionam com a possibilidade de constituição de novos direitos, a perspectiva universalista se inscreve na capacidade intercultural dos atores para darem conta de novas alianças entre movimentos nacionais e atores internacionais.

O tema do direito ao desenvolvimento se projeta no debate nacional através de eventos como os fóruns e as redes sociais internacionais que buscam encontrar outras vias para a globalização dos direitos, na contra-mão de processos como os que ocorrem nas reuniões de cúpula dos países ricos e das instituições multilaterais como a OMC e o par BIRD-FMI. Nesse primeiro momento o tema da integração se coloca no terreno do direito ao desenvolvimento através de conflitos que se expandem colocando de um lado a agenda política da segurança (EUA-Colômbia) e da privatização/propriedade intelectual (países da OCDE) e, de outro, as agendas alternativas oriundas da luta pela reapropriação do território e de reconhecimento de direitos (água, energia, terra, serviços públicos, tecnologia etc.) como vem ocorrendo ao lado da queda de inúmeros governos e do fracasso de projetos neoliberais extremos no continente.

A conjuntura de busca de alternativas permanece aberta com mais radicalidade em países como a Bolívia e a Venezuela, com menos radicalidade em países como o Brasil. A questão estará no centro de um conflito social prolongado e dependerá da força de definição de alternativas mais amplas de cooperação entre atores políticos e sociais. Novos conflitos sociais institucionais e legais devem abrir importantes processos de luta por revisão e/ou garantia de direitos constitucionais, por força de um incremento potencial de luta pelos DESCA (incluído o “A” de ambiental). A integração regional se coloca, assim, como questão correlata e dependente do processo de expansão e reconhecimento do acesso aos direitos dentro da chave histórica de resgate e criação de processos de construção democrática.

Os mecanismos de mediação institucional, produtiva e cultural para a integração regional dependem do grau de adesão dos movimentos de resistência e de seu diálogo a partir dos conflitos sociais e territoriais. A chave de leitura pela via dos direitos humanos pode aproximar e manter uma tensão positiva face ao localismo e ao nacionalismo cuja legitimidade e reafirmação não deve impedir a construção de um interesse comum dos povos.

O direito a uma integração baseada nos direitos aparece como um horizonte mais favorável para uma via de integração a partir das multidões marginalizadas e da consciência crítica da inteligência coletiva dos países latino-americanos que ensaiam formas de construção de novos possíveis, sob a pressão de seus movimentos internos que se articulam como redes nacionais e internacionais.