18/06/2013 19:35

Os protestos que tomam as ruas do Brasil, com apoio de manifestações em outras cidades no mundo, soam de maneira muito curiosa. Afinal, há duas semanas era comum ouvir que só quem protestava era “uma meia dúzia” de pobres insatisfeitos. E que eles remavam para atravancar o crescimento do país, atrapalhar o Brasil em “seu” projeto de desenvolvimento. Pouco importava se remávamos contra a maré de violações ao direito à moradia nas cidades; contra a violência que mata indígenas e sem-terra no campo; contra as desigualdades que seguem enormes. Falavam de “uma meia dúzia”. E foi o aumento de passagens – aliás, aumentos como os de todos os anos, o estopim – ou a gota d´água – da revolta que é por muito mais do que 20 centavos.

E podemos olhar o transporte público também como elemento simbólico para muitas lutas que nascem de uma questão semelhante. O transporte público deveria garantir o fundamental direito de ir e vir, mas é concedido a agentes privados. A regulação do Estado é ineficiente aos olhos dos cidadãos e cidadãs que de norte a sul, em cidades grandes, mas também médias e até pequenas, têm motivos muito semelhantes para reclamar: preços altos, frota velha, insegurança, desrespeito, engarrafamentos, falta de planejamento, falta de escuta e resposta aos usuários. Ir e vir como tantos outros é um direito não efetivo.

O transporte é realizado por meio de concessões a empresas. O mecanismo é distinto das parcerias público-privadas (PPPs), cada vez mais comuns. Mas ambos apontam para uma prática na qual direitos devem ser garantidos por agentes privados. Estamos falando de ir e vir e também saneamento, saúde, educação; além de lazer, já que a administração de espaços construídos e/ou reformados com dinheiro público (como os milhonários estádios organizados segundo imposição da Fifa) passarão a ser geridos por agentes privados. O discurso corrente garante que é no privado que mora a eficiência. No entanto, a lógica e a definição nos explicam que direitos são para todos e devem ser garantidos sempre. Portanto, não são apenas para quem pode pagar e para serem garantidos na medida do lucro conveniente.

Neste sentido, os protestos que começam por R$ 0,20 podem ter como pano de fundo a compreensão difusa de que é inaceitável seguir neste império do privado sobre o público e sobre a vida. E a violência da polícia, acompanhada pelas declarações dos agentes públicos justificando a força, abre os olhos para um movimento inaceitável do Estado para atuar, violentamente ou não, na defesa intransigente de interesses privados. Este movimento não é novo, mas ficou evidente.

Foi inesperado o modo como as ruas das maiores cidades do Brasil se viram cheias de gentes, mais ou menos jovens, garantindo que este protesto não é por 20 centavos. Os protestos desafiam as lógicas construídas até aqui: as lógicas dos partidos, dos movimentos sociais considerados clássicos, de organizações não-governamentais. E toda a sociedade se pergunta: se não é por R$ 0,20, é por quê? É possível que respostas corretas não sejam possíveis, ou demorem uma eternidade – se comparado ao tempo das chamadas redes sociais, do aqui e já – para surgir. Mas, para agora, as razões definitivas importam pouco: interessa é que, finalmente, é alto suficiente o som daqueles que não estão satisfeitos com o estado das coisas. E que, com ou sem rumo certo e definido, há sim esperança em mudanças.