Maureen Santos
23/01/2024 11:40
A COP-28 precisou de um dia a mais em Dubai para chegar ao fim, sem conseguir estabelecer compromissos objetivos ou fontes de financiamento para que o mundo deixe de usar combustíveis fósseis. O documento final reconhece, no entanto, que petróleo, gás natural e carvão precisam ocupar o centro do debate sobre a emergência climática, o que foi considerado por muitos como um avanço para atingir a meta de zero emissões líquidas até 2050. Em paralelo, energia como a nuclear também entrou no páreo das consideradas “energias limpas” aptas à transição energética.
Acostumamos a ler e ouvir a expressão “zero emissões líquidas” (ou “net zero”, em inglês) nos discursos e propostas nacionais e internacionais de redução das emissões dos gases de efeito estufa para o enfrentamento das mudanças climáticas, mas, assim como o texto final da COP-28, ela se mostra pouco objetiva e precisa ser entendida com maior clareza.
Será que “zero emissões líquidas” é mesmo o equivalente a “zero emissões reais” ou apenas um termo midiático, moldado para disfarçar a inação de corporações e de políticas ineficazes, que não alcançam resultados efetivos?
O estudo Mudar para que Nada Mude: Zero Emissões Líquidas Não É Zero!, lançado em novembro de 2023 pela organização não governamental Fase – Solidariedade e Educação, se propõe a ampliar o debate público sobre a questão no momento em que o mundo precisa mais do que nunca de ações concretas e de coragem para mudar.
O net zero surge no cenário como uma salvação para o aquecimento global, sendo que, na verdade, desvia o foco dos compromissos reais que precisam ser adotados e coloca os países do Sul Global novamente com a responsabilidade de atender às demandas por compensação de emissões dos países do Norte e das corporações transnacionais.
Uma das principais formas de remoção é por meio das florestas. O problema é que, de acordo com relatório publicado em 2021 pela ActionAid Internacional, não há terra suficiente no mundo que possa ser destinada ao plantio de todas as florestas necessárias para a compensação das emissões prometidas por empresas, corporações e governos.
O levantamento afirma que a capacidade de reabsorção do carbono atmosférico pelas florestas está superestimada e que não há árvores suficientes para fazer toda a compensação necessária. Mesmo que houvesse uma maximização total do número de árvores, elas só conseguiriam dar conta de capturar o carbono relativo a uma década das taxas atuais de emissão de gases. Plantar árvores não pode ser sinônimo de passe livre para poluir o mundo.
A queima de combustíveis fósseis, as mudanças de uso do solo e a agropecuária intensiva são os principais agentes causadores da crise climática em todo o planeta. O Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (Seeg) indica que as mudanças de uso da terra, puxadas pelo desmatamento para abertura de novas áreas para agropecuária e especulação imobiliária, são historicamente as principais responsáveis pelas emissões no Brasil, representando 46% do total em 2020, seguida por 27% da agropecuária. A soma mostra que o agronegócio foi responsável por 73% das emissões no País nesse período.
Ao mesmo tempo, os grupos que menos contribuem para o aumento da temperatura no planeta – povos originários, camponeses e comunidades urbanas periféricas e tradicionais – são justamente os que mais sofrem as consequências diretas da crise climática e das soluções criadas em nome do enfrentamento da crise.
Já estamos lidando com o aumento de 1,1ºC na temperatura média global, é hora de colocar o foco nos verdadeiros vilões do clima e em suas responsabilidades históricas, abandonando termos vazios e maquiagens verdes que desviam a atenção do que realmente precisa ser feito: parar o desmatamento, deixar os combustíveis fósseis embaixo da terra e fazer a transição justa para um sistema de energia renovável e sustentável, sem nuclear, claro.
Artigo publicado originalmente na coluna Opinião do Estadão
*Coordenadora do Núcleo de Políticas e Alternativas da FASE