24/03/2023 15:45
Thaís Bannwart — Porta-voz de Amazônia do Greenpeace Brasil
Tatiana Oliveira — Assessora política do Inesc e membro da coordenação colegiada da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip)
Maureen Santos — Coordenadora da Fase e membro da Frente contra o Acordo UE-Mercosul e Efta-Mercosul
A vinda dos ministros da Alemanha Robert Habeck e Cem Özdemir ao Brasil, em uma agenda que contou com a participação de ambos no Encontro Econômico Brasil-Alemanha, em Belo Horizonte, e uma visita na comunidade indígena Três Unidos, no Amazonas, trouxe à tona a discussão sobre o acordo comercial entre União Europeia-Mercosul, que aprofundará ainda mais a crise ambiental e a desigualdade entre os dois blocos.
Por mais de 20 anos, a União Europeia e os países do Mercosul tentam negociar esse acordo. Em 2019, quando o Brasil ainda estava sob a liderança de Jair Bolsonaro à frente do governo mais antidemocrático e antiambiental desde a redemocratização do país, um acordo de livre comércio foi alcançado. Ocorre que esse acordo condena os países sul-americanos ao subdesenvolvimento: por um lado, busca garantir as importações de commodities e matérias-primas da América do Sul, enquanto aumenta as exportações de produtos industriais e químicos de alto valor agregado oriundos da UE.
É importante relembrar que as negociações do acordo se deram a portas fechadas, sem transparência nem participação da sociedade civil de ambos os blocos. O único setor que mais tem informações sobre o acordo é o empresarial, cujos interesses particulares foram acolhidos no correr das negociações, demonstrando a assimetria de poder que atravessa esse processo.
Podemos dizer que o acordo vai nos levar para trás na ação climática e na proteção da sociobiodiversidade, em benefício das indústrias automotiva e farmacêutica europeia e do agronegócio de larga escala sul-americano. Devido à explosão do desmatamento na Amazônia e da violência contra povos indígenas e tradicionais do Brasil sob Bolsonaro, o acordo não foi ratificado pelas partes. Agora, em um novo contexto político no Brasil, a Comissão Europeia vê uma oportunidade de promover o acordo comercial UE-Mercosul e pressionam pela sua urgente ratificação.
Se o acordo for aprovado em sua forma atual, a mensagem clara é: o lucro de poucos prevalece sobre todos. O presidente Lula também manifestou preocupação com o acordo, enfatizando que quer um comércio mais justo e não está interessado em acordos comerciais que condenem o Brasil ao “eterno papel de exportador de commodities e matérias-primas”. Porém, Lula e membros do governo têm avançado no diálogo sobre o acordo e indicado que querem rever o texto com a União Europeia. O acordo vai na contramão do que o governo está dizendo defender: não fomenta a inovação industrial, não protege a sociobiodiversidade ou a agroecologia, tampouco estimula a transição para um novo modelo de desenvolvimento. Pelo contrário, nos coloca numa trajetória de manutenção do status quo que inviabiliza esse futuro.
O acordo precisa ser rejeitado em sua totalidade. Pequenas mudanças, como a inclusão de um instrumento adicional, não serão suficientes para evitar os impactos negativos no clima, meio ambiente e dos direitos humanos. Além disso, o governo brasileiro não deve avançar com um acordo que foi finalizado durante o governo Bolsonaro, considerando todo seu histórico anti-indígena, antiambiental e antidemocrático.
Para enfrentar as diversas crises em nosso mundo, é preciso uma cooperação internacional que coloque a questão ambiental, os direitos humanos e a integração dos povos como elementos centrais. A União Europeia precisa ouvir as necessidades do Brasil e dos países do Mercosul, respeitar a soberania e as necessidades dos povos. Nós ouvimos palavras bonitas o suficiente. Agora, é hora de agir, pois não há comércio em um planeta morto.
*Artigo originalmente publicado no jornal Correio Braziliense.