Campanha Nem um Poço a Mais
05/07/2023 14:21
Para quem só enxerga desde o lugar historicamente subordinado do país na divisão internacional do trabalho e da renda. Para quem só vê o Brasil como eterno exportador de semi elaborados e ‘commodities’: pau-brasil, açúcar, ouro, café, minério de ferro, petróleo, celulose, soja, milho, mármore e granito. Para quem lucra nos circuitos globais corporativos do capitalismo tardio. É óbvia a necessidade de portos. Afinal, “95% das exportações brasileiras se dão por portos”.
No fetiche desenvolvimentista do governador Casagrande, além dos 11 portos e terminais especializados já instalados, justificaria instalar mais 22, nos 400 km de costa atlântica do Espírito Santo.
Públicos ou privados, nacionais ou estrangeiros, por onde se instalam, os impactos dos portos nos territórios são sempre os mesmos: devastação de mata de restinga e manguezais, interdição de acesso ao mar e à costa, destruição dos modos de vida e do trabalho na pesca artesanal, geram pouco emprego, a grande maioria precário e temporário, violência contra mulheres e meninas, contaminação das águas, salinização da terra.
Não faltam exemplos: o Porto de Suape em Pernambuco, o Portocel em Aracruz (ES), o Porto do Açu em Campos (RJ), o Porto de Santos (SP). Qualquer visita mais atenta a esses territórios subordinados à economia portuária exportadora desvela profunda desigualdade social e racismo ambiental. Também é vasta a historiografia crítica sobre portos, e suas violações de direitos humanos e destruição da natureza.
Com pouquíssima transparência em relação aos seus investidores, o complexo industrial portuário Porto Central já teve como acionista o Porto de Roterdã/Holanda, que desistiu deste investimento em 2019, porém sua ‘expertise’ foi considerada no EIA/RIMA de 2013 e na Licença de Instalação dada 10 anos depois, em 2023. Hoje sabe-se que é controlada pela empresa TPK Logística, e que tem contratos com a holandesa Van Oord, mas as hipóteses de investimentos públicos não se confirmaram diretamente. Todavia, é do poder público o apoio em transformar as áreas protegidas de restinga (ecossistema da Mata Atlântica) em área de utilidade pública, em conceder outorga de direito de uso da água do rio Itabapoana e de conceder incentivos de programas federal e estadual de investimento.
Justificar a necessidade do Porto Central, para atender a cadeia de petróleo e gás, é também de profunda incoerência e irresponsabilidade diante da emergência climática causada pela queima dos combustíveis fósseis e os acordos climáticos de redução das emissões dos gases do efeito estufa até 2030. Esta conta não fecha e desmoraliza o Consórcio Brasil Verde, uma coalizão de 24 governadores, presidido pelo governador do Espírito Santo, Renato Casagrande, que pretende fazer com que todos os estados brasileiros tenham um plano de ação para a neutralidade do carbono até 2050, para que o País cumpra sua meta de zerar as emissões até a metade do século. Pura farsa.
Como todos os grandes empreendimentos, trazem as promessas de emprego como moeda de troca aos territórios. De 4 a 5 mil empregos são prometidos pelo Porto Central, ao longo de anos de obras de instalação. Em lugar nenhum a população local é realmente aproveitada para estes empregos, mas em compensação os muitos trabalhos que já existem nos territórios são destruídos, como seriam em Presidente Kennedy o trabalho de ao menos 400 famílias de pescadores artesanais e mais os dos ribeirinhos do rio Itabapoana, mais os pescadores de São Francisco do Itabapoana, de Marataízes. Territórios tradicionais que seriam sacrificados, aprofundando a insegurança alimentar, já que são o/as pescadore/as artesanais os responsáveis por 70% do pescado que alimenta o Brasil.
Também a chegada de um contingente enorme de homens no município, preocupa a proteção das mulheres, por conhecer as histórias e a realidade de violência contra as mulheres em todos os lugares onde chegam batalhões de homens de fora. Daqui de perto podemos citar como exemplo Barra do Riacho, em Aracruz. Naturalizar a violência contra as mulheres e oferecer “educação sexual” às mulheres de Presidente Kennedy como combate a violência contra as mesmas, como sugere a ex-presidente do IEMA e atual gestora ambiental do Porto Central, além de conivente, é displicente com a gravidade dos fatos e riscos.
Outra grande preocupação com a chegada de muitos trabalhadores de fora é em relação à sobrecarga aos serviços básicos de saúde do município, que já são insuficientes e precários para atender os moradores locais. Apesar de um dos maiores PIBs do Brasil (R$ 301.474,89 por habitante — IBGE, 2020), por conta dos royalties do petróleo, o hospital de Presidente Kennedy não tem a mínima estrutura de atendimento digno. Caso semelhante se dá em Macaé, no RJ, a capital do petróleo e da pobreza para a população.
Também inaceitável é o desrespeito com a fé e a cultura local, pois o projeto do Porto Central deixará ilhado o Santuário de Nossa Senhora das Neves, patrimônio histórico e cultural do século XVI construído pelos jesuítas. Dia 5 de agosto acontece tradicionalmente a Romaria das Neves, reunindo milhares de fiéis e romeiros de várias partes do Espírito Santo e do Brasil, que terão, caso o Porto Central se instale, seu acesso interditado. Por isso, o projeto não foi aprovado no Conselho Estadual de Cultura e é acionado juridicamente pela Diocese da Igreja Católica do Sul do Espírito Santo. Neste aspecto, é constrangedor o silêncio do Ministério Público Estadual a respeito!
Não falta dinheiro em Presidente Kennedy, que possui um PIB per capita 13 vezes maior que o do Estado do Espírito Santo. E, no entanto, toda essa riqueza não garante mais qualidade de vida para a população local. O Porto Central só vai aumentar a desigualdade social, com mais concentração de terras, de água, de lucro e de poder.
A Campanha Nem um Poço a Mais vem denunciando este projeto do Porto Central que se impõe sobre os territórios tradicionais, sem a consulta prévia, livre e informada a que têm direito, conforme a Convenção 169 da OIT e sobre toda a população capixaba que sonha com o Bem Viver. Para quem mesmo interessa o Porto Central?
*A Campanha Nem um Poço a Mais é formada por um conjunto de ativistas incluindo a FASE Espírito Santo