23/05/2011 12:42
Quase dois anos depois da aprovação da lei sobre alimentação escolar, representantes da sociedade civil e membros do poder público voltaram a se reunir no Congresso para falar sobre as vitórias garantidas pelo marco legal e os desafios que ainda se impõem. O Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) foi implantado em 1955. Nos últimos anos, o Pnae já vinha sofrendo transformações, mas em junho de 2009, com a aprovação da lei 11.947, a alimentação escolar passou a ser considerada direito humano e constitucional. Segundo o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) o orçamento do programa para 2011 é de R$ 3,1 bilhões, para beneficiar 45,6 milhões de estudantes.
Com a nova lei, a comida servida na escola passa a integrar o processo de ensino-aprendizagem, já que educação alimentar e nutricional integra o currículo. A legislação deve promover a soberania e segurança alimentar e nutricional dos escolares e passou a atender, além das crianças, o ensino médio e a educação de jovens e adultos. Além disso, reconheceu o papel da agricultura familiar na produção de alimentos saudáveis. E garante a dinamização das economias locais com a obrigatoriedade de que ao menos 30% do orçamento do Ministério da Educação destinado à alimentação escolar seja para compra direta destes agricultores. Na prática, a medida também gera a valorização de produtos locais e contribui para a formação da cultura alimentar.
Segundo dados do FNDE e MDA divulgados em 2010, 28,3% dos municípios brasileiros compram produtos da agricultura familiar para o Pnae. E o número pode ser muito mais expressivo visto que apenas 55% dos municípios responderam o questionário e mais de 400 outros realizavam chamadas públicas na época da pesquisa para começar a incluir a agricultura familiar entre os vendedores de alimentos para alimentação escolar. É uma estatística a ser comemorada, apesar das diferenças regionais, na avaliação de Vanessa Schottz, técnica da Fase e secretária executiva do Fórum de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN). Ela participou da audiência pública sobre o tema realizada em 20 de maio na comissão de Educação e Cultura da Câmara. “Essa é uma lei muito inovadora porque inverte a lógica de políticas públicas que favorecem os grandes interesses da indústria e do comércio”, destaca Vanessa. Ela explica que a aprovação da lei foi uma grande vitória da sociedade, que se organizou intensamente para este fim. O resultado de tanto trabalho é uma política pública que precisa colocar setores diferentes do Estado para conversar – agricultura, saúde, educação, entre outros – e, por isso mesmo, tem na aplicação grandes desafios. “Essa volta ao Congresso é importante para lembrar os avanços e avaliar o que deve ser melhorado em relação à lei”, comenta.
Desafios
Entre os desafios para a implementação está garantir controle social. Vanessa alertou no plenário que os conselhos de alimentação escolar – que são ligados às secretarias de educação nos estados e municípios – precisam ter melhor formação técnica e política, respaldo da Justiça para encaminhar denúncias com segurança e garantia de infraestrutura para funcionar. Além de ser um canal para exigência do direito à alimentação escolar, são os conselhos que aprovam as contas públicas de estados e municípios neste quesito.
Vanessa e outros participantes enumeraram outros desafios para a total implementação do Pnae: investir na infra-estrutura das escolas para o adequado preparo dos alimentos; trabalhar para a profissionalização e valorização das merendeiras; melhorar o sistema de logística para transporte e armazenamento dos alimentos e fazer estados e prefeituras compreenderem seu papel em garantir as contrapartidas necessárias para que o Pnae funcione. Hoje o governo federal repassa R$ 0,30 por aluno/dia como subsídio para alimentação escolar e espera contra-partidas dos estados e municípios, por exemplo, com o pagamento dos profissionais que vão preparar os alimentos.
“Mais um motivo para a importância de voltar agora ao Congresso é que muitos dos desafios do Pnae não dependem do Panae, mas de outras políticas públicas e leis que estão tramitando. Um exemplo é a necessidade de fomentar a produção de alimentos saudáveis pela agricultura familiar, como financiamento para produção agroecológica”, destacou Vanessa. Além disso, ela lembra que já começaram os debates para a construção do Plano Plurianual (PPA), que determina orçamentos de governo nos próximos quatro anos. Então é preciso criar no PPA mecanismos para garantir os recursos necessários para melhorar a estrutura e gestão para do Programa Nacional de Alimentação Escolar. O mesmo vale para mecanismos de reajuste automático do valor per capta repassado pelo governo federal aos estados e municípios.
Terceirização
Outra preocupação trazida a público na audiência diz respeito à terceirização do programa. Segundo Vanessa Schottz, o presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), Renato Maluf, destacou que a terceirização deve ser combatida veementemente. Ela lembrou que esta também é uma posição do Fórum de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional que já se manifestou diversas vezes, entre elas na Revista Proposta, da Fase, contra a terceirização. O fórum indica que a garantia do direito humano à alimentação é incompatível com as atividades empresariais, pois estas têm como único objetivo o lucro.
Na audiência Vanessa lembrou que são muitas as denúncias ao longo dos anos que mostraram desvios devido à terceirização da alimentação e se somam às recentemente televisionada pelo programa “Fantástico”, da TV Globo. “A terceirização vai contra e nunca poderá garantir objetivos do Pnae como a formação de hábitos alimentares saudáveis e a inclusão da merenda nos processos de ensino-aprendizagem das escolas” explicou. Vanessa lembrou também que a compra da agricultura familiar, por lei, deve ser direta e não pode ser intermediada por empresas.
Além dos representantes do FBSSAN e Consea já mencionados, participaram da audiência como debatedores Albaneide Peixinho (Coordenadora Geral do Programa Nacional de Alimentação Escolar do MEC/FNDE), Dep. Nazareno Fonteles (autor do requerimento), Arnoldo Campos (Diretor do Departamento de Valor e Renda – Representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário), Antoninho Rovaris (Secretário de Política Agrícola – Representante da CONTAG).