26/03/2012 12:07

Por Eduardo Sá, jornalista da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA)

O uso da biodiversidade em sistemas agroflorestais, o cuidado com os solos e as águas e a comercialização da produção são etapas do trabalho dos agricultores e agricultoras familiares que enfrentam muitas barreiras na legislação ambiental e sanitária.

Essa foi a principal conclusão dos agricultores, estudiosos e movimentos sociais no seminário sobre Legislação Ambiental e Sistemas Agroflorestais (SAFs), realizado entre os dias 21 e 23, no Rio de Janeiro. O encontro contou com a participação de aproximadamente 40 pessoas e estimulou reflexões e propostas com base nas experiências da agricultura familiar e camponesa nos Projetos Demonstrativos (PDA), do Ministério do Ambiente, realizados na Mata Atlântica.

Ao usar as florestas de forma sustentável, os camponeses são restringidos por leis ambientais. Se buscam aumentar a escala de sua produção, sofrem com as legislações sanitárias e comerciais. E tudo isso só é viável com a garantia dos territórios, que é fonte de conflitos e já abre outro arcabouço jurídico. O pequeno agricultor na maioria das vezes não tem recursos, tempo e assessoria para adequar suas atividades econômicas a todas essas regras. São muitas leis e instituições, e a engrenagem desse emaranhado normativo é bastante complexa. Integrantes do governo que trabalham mais próximos aos projetos reconhecem as dificuldades e sugerem, assim como os movimentos, uma racionalização das leis.

O analista ambiental do Ministério do Meio Ambiente, Klinton Senra, explicou que a chamada dos Projetos Demonstrativos (PDA) foi para induzir essas organizações de redes a potencializar suas iniciativas. O PDA é baseado num contrato de doação, através de um acordo entre Brasil e Alemanha, cuja última prorrogação foi feita em 2010 e expira em dezembro de 2012. Klinton ainda reconheceu que a burocracia é lenta no fomento de redes.

“Os projetos podem contribuir muito para a construção de políticas públicas. O governo nunca fez agroecologia, historicamente quem criou foi a sociedade civil. Esse modus operandi precisa ser incorporado nas políticas para apoiar a inovação dedeterminadas experiências. Dessa série de resoluções, decretos, nem nós dos ministérios e técnicos sabemos se estamos falando coisa certa ou não. Nós precisamos pegar todo um conjunto, porque tem regras contraditórias e justapostas, para tentar fazer uma proposta mais racional, se não acaba caindo em inoperância. É preciso propor uma revisão global das normas nesse tema, pois a própria lógica não favorece o uso”, disse o representante do PDA.


Experiências agroflorestais

Experiências em alguns estados foram apresentadas durante o seminário, apontando a importância da agricultura familiar na preservação ambiental. Agricultores e especialistas, que dão suporte técnico às experiências agroflorestais, colocaram seus desafios e vitórias em debate. O uso sustentável da Palmeira Juçara por 14 organizações é um dos projetos, coordenado pelo Instituto de Permacultura e Ecovilas da Mata Atlântica (Ipema) e executado pela Rede Juçara. Trata-se de uma árvore nativa, em risco de extinção pela extração ilegal do palmito, que gera polpas, sementes, fibras, cachos, e tudo é aproveitado de forma sustentável por eles. A paisagem do bioma e a recuperação de nascentes, dentre outros fatores, são fonte de preocupação dos integrantes do projeto, que se fundamenta em 3 eixos: estudo da legislação ambiental e sanitária; diagnóstico e monitoramento do manejo; e construção da identidade do produto e protagonismo comunitário. Os produtos valorizam a cadeia produtiva da palmeira, com protagonismo dos agricultores, e a colheita dos frutos é feita de modo a manter sua capacidade de reprodução e integração com as outras espécies.

Outro caso interessante é a produção do café orgânico realizado pelo Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata (CTA), no sul de Minas Gerais. Morador de Araponga, Donizete Lopes planta café utilizando o sistema agroflorestal. O agricultor defende uma visão ampla da floresta e conta como recuperou o verde de sua região, e ressalta a função dos animais para o equilíbrio ambiental das propriedades.

“Primeiro de tudo tem que observar o solo, para ver se ele reproduz o que a gente quer. O verdadeiro solo já foi, então tem que fazer a recuperação e depois a diversificação. Nós plantamos primeiro leguminosas, por exemplo. Através de uma espécie vem várias naturalmente, além dos animais que ajudam, como a abelha na polinização. Com agrotóxico os animais não comem. Então esses sistemas agroflorestais (SAFs) são para colocar na cabeça da nação, porque tem a ver com integração do campo e cidade. Tinha que haver uma lei para visualizar tudo isso tratando do ambiente inteiro”, diz Donizete.

A integração do alimento nativo com alto teor nutritivo na merenda escolar é uma das propostas dos SAFs. A utilização dessa comida em hospitais também é uma das metas, como vem acontecendo em Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, com o pinhão, fruto típico da região. As frutas nativas estão sendo inseridas no meio urbano por meio da economia solidária, e dessa forma os agricultores buscam preservar os saberes tradicionais fugindo da apropriação das grandes empresas. Eles constroem um mercado com outros atores, mas as feiras locais já foram fechadas 10 vezes em 12 anos, pois as polpas dos frutos, por exemplo, não estão legalizadas. O beneficiamento da produção em grande escala do ponto de vista legal é inviável para os camponeses, que dão prioridade à continuidade da culinária local em sua cultura.

As mudanças no código florestal e a resistência

Enquanto a agricultura familiar é muitas vezes criminalizada pelo Estado e não reconhecida socialmente, mesmo quando conserva a natureza, os grandes fazendeiros e a bancada ruralista partem para a ofensiva propondo a mudança do atual código florestal brasileiro. A avaliação do engenheiro florestal Luiz Zarref, representante da Via Campesina, é que o agronegócio está numa ofensiva política, e o debate do Código Florestal é, ao invés de ambiental, um rearranjo na estrutura fundiária brasileira que favorece o desmatamento. O militante acredita que a bancada ruralista quer destruir a função social da terra, e as propostas de mudança no código vão favorecer o capital internacional que não só se beneficia junto aos seus aliados latifundiários, como também diretamente na compra de territórios, como já vem ocorrendo. Zarref criticou também o conceito de pousio da terra da proposta de modificação do código, que legitima o latifúndio improdutivo, e os Pagamentos de Serviços Ambientais via mercados (PSA).

De acordo com Maria Emilia Pacheco, da Fase – Educação e Solidariedade, estamos atravessando um dos momentos mais sérios da história brasileira por causa da possibilidade de uma mudança radical na estrutura fundiária nacional em prol do latifúndio. Ela também critica a ideia de natureza intocável, imposta pela visão norteamericana de criação de grandes parques, que penaliza os agricultores tradicionais. Sua maior indignação é que tudo está caminhando no sentido da mercantilização da natureza, abrindo caminho para o latifúndio, e não para promover o uso sustentável dos recursos naturais que é feito pelos agricultores familiares e outros povos tradicionais.

”Essa ideia de conservação não converge com nossos princípios. Defendemos a etno-conservação, unindo biodiversidade e cultura. São povos que têm o direito de viver. Índios, por exemplo, fazem suas florestas. E o reconhecimento desse conhecimento tradicional, dessa relação de saberes, não está dado. São princípios e conceitos que nós trazemos com essa prática. É preciso fazer alianças com setores da saúde e nutrição, por exemplo, para fortalecer as redes. Sequer temos no Brasil um levantamento das nossas frutas nativas, que têm alto valor nutritivo”, propôs Maria Emília.