24/01/2009 10:07
Um caso de arbítrio policial e desrespeito a direitos de uma comunidade quilombola aconteceu nesta quarta-feira 11 de novembro no Espírito Santo. Pela manhã, policiais civis e militares realizaram uma operação na comunidade quilombola de São Domingos, norte do estado, na qual detiveram cerca de 40 pessoas para prestar depoimentos. Usaram de força para detê-los, algemaram-nos e levaram todos a uma delegacia de São Mateus, a quilômetros dali. A acusação é de roubo de madeira da Aracruz Celulose, que planta eucalipto em uma vasta monocultura no ES há mais de 40 anos, forçando as comunidades rurais tradicionais da região à indigência de uma vida com direitos restringidos.
O operativo policial da manhã desta quarta-feira não apresentou mandado, como determina a lei, e sequer convocou os quilombolas para prestar depoimentos. Segundo uma cidadã quilombola de uma comunidade vizinha, que foi até São Mateus para acompanhar o caso, os cerca de 40 homens estariam sendo liberados após prestar depoimentos. Mas foram mantidos algemados nas dependências da delegacia de São Mateus, onde ficam presos condenados. Não se sabe se eles ficaram em celas ou em alguma sala separada dos demais detentos. A quilombola Kátia S. P. disse à Fase que os detidos estavam desde a manhã até o fim da tarde sem comer, aguardando serem chamados para o depoimento. Entre eles, há homens idosos na faixa dos 70 anos de idade e alguns diabéticos. Não havia, segundo ela, nenhum atendimento emergencial de saúde para os quilombolas detidos.
A operação para deter os quilombolas também registrou, segundo testemunhos dados à Fase por telefone, outras arbitrariedades. As casas simples das comunidades foram invadidas. Cachorros e cavalos foram usados para criar um clima de tensão. A polícia foi vista retirando crianças do ônibus escolar que as leva diariamente para as aulas, expondo os filhos e filhas dos quilombolas a um forte abalo emocional longe de seus pais. Equipamentos e pertences dos quilombolas de São Domingos foram indevidamente apreendidos. A investigação policial formal, se é que existe, não teria apresentado documento com ordem de apreensão, e menos ainda uma convocação para depor. A retirada à força de dezenas de cidadãos para prestar depoimentos, portanto, se configurou como mais uma arbitrariedade contra um grupo social vulnerável no Espírito Santo.
A questão da madeira residual dos eucaliptais da Aracruz Celulose não pode ser tratada como problema penal comum. Se trata de uma questão política, pois quando as comunidades tiveram seus territórios usurpados por uma corporação multinacional, que ali plantou uma das maiores monoculturas de eucalipto do mundo e com isso degradou as condições de agricultura e de vida rural em toda uma região, não houve alegação de crime contra aquelas pessoas, embora seja mais que clara a violação extrema de seus direitos.
Além disso, todos sabem que é dos grandes troncos de eucalipto que a Aracruz retira seus ganhos milionários com exportação de celulose. O resíduo com o qual os quilombolas produzem carvão para vender a baixíssimos preços não lhe serve de nada. O processo produtivo da empresa não é diretamente afetado por isto, daí cabe perguntar: por que mais pressão sobre uma população já tão vulnerável? Será impossível chegar a um acordo pelo qual ao menos esta pressão possa ser evitada?
Viver como quilombola no norte do Espírito Santo hoje significa não ter condições de sobrevivência em parte dos casos, e quando há, são condições frágeis e dependentes da solidariedade de atores sociais organizados, como a Fase e outras pessoas e entidades amigos dos quilombolas e indígenas do estado. As autoridades capixabas precisam aceitar que a retirada de resíduos de madeira diz mais sobre como todos foram incapazes de preservar a vida desta população do que sobre o cometimento de um delito penal. Dar aos fatos seu justo peso e justa medida é fazer justiça para além dos códigos. Evitar arbitrariedades como a deste triste 11 de novembro é fazer a política da dignidade.