25/11/2022 11:13
*Paula Schitine
Após dias de intensas negociações que se estenderam até o início da manhã do último de domingo (20) em Sharm el-Sheikh, no Egito, os países membros da 27ª. Conferência das Partes da Convenção sobre Mudança Climática das Nações Unidas, a COP27, chegaram a um documento final onde se prevê a criação de um mecanismo de financiamento de ‘perdas e danos’ para compensar as nações vulneráveis e atingidas por desastres em consequência das mudanças climáticas.
Porém, o fundo criado sob forte pressão dos países em desenvolvimento, na opinião das representantes da FASE presentes no evento – Letícia Tura, diretora executiva e Maureen Santos, coordenadora do Grupo Nacional de Assessoria – foi importante, mas insuficiente. Embora o acordo sobre o financiamento de perdas e danos tenha sido uma conquista positiva, houve pouco avanço na COP27 em outras questões importantes relacionadas às causas do aquecimento global, particularmente sobre a eliminação de combustíveis fósseis e indicações mais rígidas sobre a necessidade limitar o aquecimento global a 1,5 graus Celsius.
Fundo para ‘perdas e danos’
Na opinião de Letícia Tura, a sinalização de um fundo para perdas e danos foi positiva, porque há muito tempo se tentava o acordo e não se conseguia, mas ela enfatiza que por trás desse atraso há muita resistência dos países desenvolvidos. “Você reconhecer e aportar um financiamento para grandes tragédias ambientais é bom, mas o problema é que essa conquista se deu de forma muito geral ainda, e não está muito claro como que esse financiamento vai se dar. Se isso vai se dar através de mercado, de dívidas, ou se isso vai ser uma ação de cooperação para o desenvolvimento”, questiona. Já Maureen Santos complementa a análise afirmando que “este é um fundo que não traz todas as demandas que os países em desenvolvimento vinham tendo, com provisão de financiamento, o montante de recursos e um caminho mais concreto e palpável. Isso ficou para a próxima COP. Então, foi importante ter sido criado, mas vazio de compromissos dos países do Norte global, emissores históricos e que devem grande dívida climática com os países que já vem sofrendo com as emergências climáticas”, completa.
Mitigação, adaptação e financiamento
Para Letícia Tura, a COP27 foi mais genérica com relação à mitigação e não vê uma perspectiva melhor para a próxima COP28, que será realizada em Dubai, no próximo ano. “Continuamos sem um acordo explicito que fale da redução dos combustíveis fósseis, então isso não foi nada positivo. Por outro lado, há uma aceleração do avanço dos mercados privados via o artigo 6º do Acordo de Paris, que fala do financiamento. Fortalecer o mercado privado por dentro do que está previsto no artigo e em todos os sub-artigos, é muito negativo, para nós que acompanhamos algumas organizações tradicionais que estão sendo assediadas por estes mercados nos territórios. Eu acho que de fato foi uma COP insuficiente e com resultados que eu diria não positivos”, ressalta a diretora. Ela cita ainda outro ponto negativo que ficou explicito nessa COP27: o esvaziamento do multilateralismo. “Os acordos bilaterais tiveram mais destaque do que as negociações principais. Nos pavilhões foram anunciados vários acordos bilaterais que ganharam mais destaque do que as negociações oficias da COP. E isso é bastante grave”, aponta.
Já Maureen Santos classifica como positiva a decisão de manter o compromisso de redução do aquecimento de 1,5º C, “mas o que estava em jogo nesta Conferência era o novo objetivo de financiamento climático global, porque existe a meta
de US$ 100 bilhões anuais, a partir de 2020, mas que
nunca se concretizou, e ainda encontra-se sem uma definição mais clara, assim como a nova meta”, lamenta a coordenadora. “Sobre adaptação, foi criado um plano de trabalho para 2023, mas neste caso eu considero que foi melhor detalhado e com planos de ação e fazendo uma comparação com outras COPs foi talvez o que faltou nos anos anteriores para chegar nesse consenso em relação ao objetivo global de adaptação”, compara.
Redução de combustíveis fósseis
A falta de uma definição sobre a transição energética que tanto é cobrada pelos ambientalistas e a sociedade civil foi duramente criticada e considerada a grande decepção dessa Conferência. Letícia Tura acredita que: foi um retrocesso. “Essa é uma questão histórica dentro das COPs e não houve uma decisão efetiva sobre a redução do uso de combustível fósseis. Para a FASE isso é uma questão muito importante, porque somos uma das entidades à frente da campanha ‘Nenhum Poço a Mais’ e essa campanha tem muita relação com isso”, pondera. “O gás, o carvão e o petróleo são os principais determinantes da emissão dos gases de efeito estufa, como também causam profundos impactos socioambientais nos territórios. Então eles têm um dano não só para o clima, como e para a sociedade, para o meio ambiente, de uma forma mais ampla”, analisa. Uma questão desta COP foi a Guerra na Ucrânia, de um lado, é muito forte o lobby corporativo de combustíveis fósseis, de outro, tem o contexto da guerra que faz com que a própria Europa não queira discutir isso agora.
Agricultura e soberania alimentar
Com relação à agricultura e segurança alimentar, Maureen Santos afirma que havia uma expectativa de sair um plano de trabalho, mas ainda vamos ter que esperar quatro anos para ver algum resultado prático. “Eu não entendo esse trabalho conjunto de como um processo de implementação, mas como um processo com mais debates mais oficinas para depois ter um plano de ação mais concreto de como a agricultura entra pro regime”, comenta. “A diferença é que esse novo trabalho conjunto além da agricultura, entrou a questão da segurança alimentar, então foi positivo, mas ainda vai demorar quatro anos como um processo de estudo e não implementação”, reafirma.
Participação popular e protestos
Letícia Tura destacou como positiva foi a participação popular em manifestações da sociedade civil, mas lamenta que essas ficaram restritas ao espaço da própria COP. “Isso acabou tirando a visibilidade delas, mas a sociedade civil deixou mensagens muito claras sobre a necessária exigência da redução das emissões de combustíveis fósseis. E ainda, denúncias claras sobre as falsas soluções baseadas na natureza, denúncias sobre o greenwashing, a necessidade de respeito aos direitos humanos e etc. Ela destacou ainda a questão da Guerra da Ucrânia e do mundo pós pandemia. “Os países ricos, onde é muito forte o lobby de combustíveis fósseis, não quiseram enfrentar o problema, tendo em vista esse cenário”, considera.
Participação do Lula:
Um ponto forte desta COP, foi certamente a presença do presidente eleito, Lula na Conferência. Letícia Tura destaca a fala dele chamando atenção da reforma da ONU e da importância do multilateralismo para que se tenham acordos efetivos e se cobre o cumprimento deles. “Foi importante a fala de Lula sobre a reforma do Conselho de Segurança da ONU, incluindo mais países e o fim do poder de veto. E nessa mesma declaração, o presidente eleito cobra o Acordo de Copenhagen de 2009, , sobre financiamento climático via cooperação. E isso é muito importante porque a não realização desse financiamento climático via cooperação fortalece a abertura de espaço para os mercados de carbono e interesses privados. Por outro lado, quando ele coloca a importância de uma coalisão global pelo combate à fome no meio do debate climático, abre a possibilidade de visibilizar os vários problemas estruturais existentes que relacionam a questão climática”, analisa. “É importante destacar ainda que ele propõe a realização de uma COP na Amazônia – mas resta saber como isso vai ser feito, se vai defender uma soberania dos povos da floresta ou a soberania do mercado. Isso é uma coisa que está em disputa, vide a carta dos governadores da Amazônia que apresentaram a floresta como commodity, mas há um espaço para a sociedade civil atuar sobre isso”, completa.
*Paula Schitine é jornalista da comunicação da FASE.