19/02/2019 13:17
Elvis Marques¹
Em São Luís, no Maranhão, o evento de lançamento contou com a participação de cerca de 70 pessoas, entre membros de movimentos e organizações populares, Pastorais Sociais e do Campo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), e representantes de comunidades, como os indígenas Tremembé do Engenho. E para comentar o conteúdo da revista² e do documentário, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) convidou Diana Aguiar, assessora da FASE; Maurício Correia, da Associação de Advogados/as de Trabalhadores/as Rurais no Estado da Bahia (AATR); Emília Carla, do Movimento Quilombola do Maranhão (Moquibom); Maciel Souza, da Comunidade Forquilha, situada no município de Benedito Leite (MA), além de Isolete Wichinieski, da coordenação nacional da CPT.
“Os Cerrados, no plural, é a maneira mais adequada para se referir a um dos ecossistemas mais ricos do mundo e fundamentais não somente para quem vive nesse território, mas também para as populações de outras regiões brasileiras e da América Latina”, contextualiza, na apresentação da Revista Cerrados, a coordenação da Articulação das CPT’s do Cerrado, projeto da Comissão Pastoral da Terra que reúne os seus Regionais presentes neste bioma.
Escolhido para o lançamento das produções, o Maranhão é um estado emblemático, onde os dois maiores biomas do Brasil se encontram: o Cerrado e a Amazônia. E essa convergência entre os biomas resulta em uma riqueza cultural, de povos e comunidades, e de fauna e flora. Entretanto, essa unidade da federação é, também, palco de graves conflitos socioambientais, seja no campo ou nas cidades. Além disso, a capital maranhense, apesar de não estar situada no Cerrado, é um ponto estratégico para o escoamento de commodities agrícolas produzidas no bioma.
Em suas análises na Revista Cerrados, Altair Sales, Maurício Correia, Diana Aguiar, Samuel Britto, Marcela Vecchione, Fábio Pitta e Maria Luisa Mendonça evidenciam as ameaças de uma expansão desenfreada do capital nacional e internacional sobre os modos de vida dos povos e comunidades do Cerrado. Uma ofensiva que se dá em diversos níveis, tais como: a violência física, as ameaças de morte, a destruição de bens, a grilagem de terras e das águas, as contaminações do solo, das águas e das pessoas por meio dos agrotóxicos, o desmatamento, e a pressão por flexibilização de direitos territoriais e ambientais.
“A Revista Cerrados e o documentário ‘Cerrado: Rostos, Vidas e Identidades’ são instrumentos que contribuem para a leitura da realidade do Cerrado hoje. Também para que a sociedade possa conhecer melhor esse importante bioma para o Brasil e para a América do Sul. Além de ser uma ferramenta de resistência para os povos e comunidades tradicionais que têm se empenhado na defesa do Cerrado”, afirma Isolete Wichinieski.
A publicação analisa ainda a expansão do agro e hidronegócio na região denominada pelo governo federal de MATOPIBA³ e a relação com outras Savanas na África e na América do Sul, como modelo de “desenvolvimento” a ser implementado em outras localidades. Todavia, em contraponto a esse cenário conflituoso, a publicação mostra a auto-organização e as resistências dos povos dos Cerrados na defesa de seus territórios, dos bens comuns e a construção contínua do Bem Viver.
Instrumentos de formação
Complementar à revista, o documentário “Cerrado: Rostos, Vidas e Identidades”, como o próprio nome sugere, retrata parte da diversidade dos Cerrados que está presente em cada rosto dos povos e comunidades tradicionais: indígenas, quilombolas, geraizeiros, quebradeiras de coco babaçu, camponeses, fundo e fecho de pasto, retireiros do Araguaia, vazanteiros e tantos outros. As imagens deste vídeo foram captadas por Thomas Bauer, agente da CPT na Bahia, durante o Encontro dos Povos do Cerrado no município de Correntina, no oeste baiano.
Maciel Souza, presente no lançamento, tratou, em sua fala, sobre a resistência e a defesa do território onde vive, a Comunidade Forquilha, próxima ao Rio Parnaíba e fronteiriça com o Piauí, no sul do Maranhão. Nessa localidade, por muito tempo, os moradores e as moradoras viveram de forma tranquila, criavam animais e cultivavam roças. Já a partir de 2005, a comunidade soube de um processo de especulação das terras e da possibilidade de construção de uma usina hidrelétrica. Em 2014, o conflito na Forquilha se agrava – pistoleiros e grileiros, além de sempre rondar a comunidade, também passam a atacar as pessoas.
“A partir daí a comunidade passa por um processo de se auto reconhecer como sertaneja. Reconhecida, a comunidade percebeu que tinha que permanecer e resistir naquele território”, explica Maciel. Segundo ele, chegar até essa identidade fortaleceu as famílias para que possam enfrentar hoje, por exemplo, as recorrentes ameaças de despejo.
Fatos como esses narrados por Maciel se somam a inúmeros outros tanto na Revista Cerrados quanto no documentário “Cerrado: Rostos, Vidas e Identidades”. Para a Articulação das CPT’s do Cerrado, esses materiais têm como objetivo ser instrumentos de luta, resistência e formação para os/as agentes de pastoral e para os povos e comunidades deste bioma.
[1] Comunicador da Comissão Pastoral da Terra.
[2] A Revista Cerrados também conta com fotografias de Rosilene Miliotti, jornalista da FASE, e pode ser adquirida no site da CPT ou no escritórios dos regionais da Pastoral da Terra presentes no bioma Cerrado.
[3] Região que engloba áreas de Cerrado dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.