01/09/2017 17:14

Rosilene Miliotti¹

Na última quarta-feira (30), a ActionAid e a FASE lançaram o relatório² “A geopolítica de infraestrutura da China na América do Sul: um estudo a partir do caso do Tapajós na Amazônia brasileira”. O livro trata do papel e o lugar dos investimentos chineses nos processos, no qual a globalização se materializa territorialmente no Brasil, em especial os megaprojetos de infraestrutura logística com objetivo de garantir o controle capitalista e geopolítico de vias de escoamento de commodities agrícolas, minerais e energéticas e de proteína animal.

Sara, Gerardo e Diana durante debate. (Foto: Rosilene Miliotti / FASE)

A partir do caso do Tapajós, o estudo debate como estes investimentos provocam conflitos territoriais com os grupos sociais locais, que são alienados dos debates sobre os megaprojetos, reagindo, em contrapartida, e desestabilizando os planos governamentais, multilaterais ou capitalistas. Na ocasião, a mesa de debate composta por Diana Aguiar, do Grupo Nacional de Assessoria (GNA) da FASE e autora da pesquisa, Gerardo Cerdas Vega, analista de Políticas e Programas da ActionAid no Brasil e coordenador do estudo, e Sara Pereira, educadora do programa da FASE na Amazônia, deu um panorama da realidade atual dos povos do entorno do rio Tapajós. 

O estudo reúne mapas, dados e análises dos principais investimentos na região, relatos sobre seus desdobramentos sociais e ambientais e sua conexão com o panorama mais amplo do investimento em infraestrutura logística no Brasil. O resultado é um retrato completo das consequências, para os povos do Tapajós, e a “relevância” que a China assumiu para a economia brasileira. Segundo a autora, os investimentos no megacorredor de comércio respondem à convergência de interesses de ruralistas, das grandes tradings que exploram o comércio de commodities agrícolas globalmente, e da demanda chinesa por soja, sobretudo para ração animal, em razão do consumo crescente de carne naquele país. “Os programas e planos governamentais têm historicamente se alinhado a esses interesses, passando por cima de uma pergunta-chave: desenvolvimento para quê e para quem?”, questiona Diana. 

Diana durante apresentação dos projetos logísticos. (Foto: Rosilene Miliotti / FASE)

Diana também chama atenção para a especulação de terras. “Fizemos um levantamento cartorial dos imóveis que estão na beira do rio Tapajós na região de Miritituba, com objetivo de verificar a linha de propriedade dessas terras. A Bunge, que é o primeiro porto em Itaituba, por exemplo, em 2004 comprou suas terras por R$ 900 mil. Já a Cargil, em 2011 adquiriu uma área de tamanho similar por R$ 3 milhões. Mas o que é interessante notar é como são feitas essas compras e vendas de terra. Dois meses antes da Cargil comprar esse terreno, uma empresa madeireira local comprou por R$ 5 mil de uma agricultora que um dia antes da venda tinha acabado de quitar com o Incra a área que era destinada à reforma agrária. Em dois meses esse intermediador compra uma terra por R$ 5 mil e a revende por R$ 900 mil”. 

Outo dado que Diana ressalta é sobre o fator China para a estabelecimento da nova rota da soja no Brasil. “Por que o Tapajós é a nova rota da soja? A resposta para a questão está em por onde se expande a soja no Brasil. Atualmente na região do Mato Grosso e o chamado Matopiba³. Dada essa expansão para essa direção, cada vez foi fazendo mais sentido o escoamento dessa produção pelo norte do país. Além do fato de que utilizar os portos tradicionais de Santos e Paranaguá, significa fazer uma rota muito mais longa para chegar ao principal destino das exportações brasileiras que é a China, atualmente o maior investidor no Brasil”, conclui.  

Gerardo lembra que o relatório será lançado ainda em setembro em Santarém, em outubro, no assentamento Roseli Nunes, no Mato Grosso, e em novembro, em Belém. “Esses eventos tem como objetivo aproximar o debate das análises do estudo das populações atingidas e em resistência a esses grandes empreendimentos”, explica.

Tapajós, o coração do mundo

(Foto: Rosilene Miliotti / FASE)

Sara relata que a região do Tapajós é o alvo principal do grande capital e que esses empreendimentos chegam com toda carga de violações de direitos e  apropriação do território. “Apesar de toda essa realidade dura e cruel, essa região tem muita luta, tem um povo guerreiro e por isso há muita resistência. E essa resistência se dá no próprio modo de vida das populações tradicionais. Elas mostram que é possível viver de modo harmônico com a natureza sem que para isso precise destruir. Para o capital, o rio é apenas um caminho por onde as balsas cargueiras vão passar, mas para esses povos o rio é uma forma de reproduzir, de tirar o sustento, de se relacionar”, diz a educadora. 

O estudo contou ainda com um filme produzido pela Criar Brasil, onde diversas pessoas deram seus depoimentos sobre suas percepções dos impactos causados em suas vidas. “No filme, um pescador se emociona ao falar que os peixes estão diminuindo. Eu me emociono junto porque sei que esse sentimento é real e que emana em todos e todas daquela região. As pessoas sempre falam que a Amazônia é o pulmão do mundo. Mas se a Amazônia é o pulmão do mundo, o rio Tapajós é o coração. Não tem como ter vida naquela região sem o Tapajós preservado e livre das garras do capital que vê os povos da região apenas como um amontoado de recursos naturais. A defesa do território não é apenas a defesa de um rio, é a defesa das mais diversas formas de vida”, declara Sara.

Mais fotos do evento no flickr da FASE.

[1] Jornalista da FASE.

[2] A publicação é fruto de uma parceria institucional entre ActionAid e FASE, com apoio da Mott Foundation.

[3] Região delimitada para fins de planejamento em parte dos territórios do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia – formando com as primeiras sílabas dos nomes desses estados a sigla Matobiba – como fronteira para expansão do agronegócio no Cerrado brasileiro.