20/06/2011 12:06

Amazônia: violência não pode ser a única resposta à exigência de direitos

No fim de maio, o anúncio no plenário da Câmara de que José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo haviam sido brutalmente assassinados na área do Projeto de Assentamento Agroextrativista (Paex) Praialta-Piranheira em Nova Ipixuna, Pará, foi recebido com vaias vergonhosas da bancada ruralista. Desnecessário dizer que no exercício de um mandato político posturas como estas são mais que lamentáveis: são inaceitáveis. Pouco depois, os mesmos parlamentares triunfaram com a aprovação de novas normas para o Código Florestal e de emendas que beneficiarão os mesmos desmatadores combatidos pelo casal. Tamanho desrespeito é ilustrativo do cenário de violência que os jornais mostram desde então.

Na terça, 14, foi anunciada a execução de Obede Loyla Souza, 31 anos, que vivia no Acampamento Esperança, em Pacajá, também no Pará. As causas do assassinato ainda não foram esclarecidas, mas assim como nos outros casos, pode ter sido motivada por denúncias contra madeireiras ilegais. Pelo menos duas outras pessoas do mesmo assentamento também correm o risco de serem mortas. Contamos agora cinco trabalhadores assassinados no Norte desde 25 de maio, que se somam a mais de 800 executados apenas no Pará desde a década de 70 e numerosos outros que tombaram naquela região e em outras partes do país. Deste total apenas alguns pistoleiros foram pesos e um mandante foi a julgamento. Segundo a Comissão Pastoral da Terra, no Brasil, 1.855 cidadãos estão ameaçados de morte por conflitos agrários nos últimos dez anos. Motivo: alguns dizem “disputa por terra”. Mas pode ser mais apropriado dizer que tombaram na luta diante de grandes poderes econômicos para que direitos constitucionais sejam garantidos.

O cenário favorável a aprovação do Código Florestal foi suficiente para que os ruralistas ligassem tratores e correntões e aumentassem de modo alarmante o desmatamento da Amazônia. O dado mais surpreendente vem do Mato Grosso onde, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, houve crescimento de 540% no desmatamento em abril se comparado a março. O estado é reduto de poder do agronegócio, a menina dos olhos de quem aposta em um modelo de agricultura que trás lucro imediato para poucos e nada mais: tais olhos estão completamente fechados para as pessoas e o futuro. Entre os apostadores, parlamentares da bancada ruralista. Sim, os mesmos cujas vaias em plenário deixaram claro que mais importam interesses econômicos que a vida e a sustentabilidade dos ecossistemas e das relações sociais vinculadas a eles. Instalado gabinete de crise para controlar o problema no executivo, o legislativo seguiu os trâmites necessários para a aprovação do Código Florestal na Câmara.

Assim como no caso do desmatamento, o governo promete respostas rápidas para o fim da violência. Por isso, homens da Força Nacional foram enviados para a região depois de reunião de crise convocada pela presidenta naquele fim de maio. Mas o governo já admitia o que vemos agora, com mais um assassinato: não pode garantir com estas ações imediatas a vida dos ameaçados de morte na região. Mais de 170 pessoas, segundo a CPT.

Além disso, a resposta do governo às tragédias anunciadas veio com a aprovação da licença para instalação da Usina de Belo Monte a despeito da mobilização social, de pareceres de especialistas da academia e técnicos do próprio Ibama, da Justiça e até da Organização dos Estados Americanos, preocupada com as violações a direitos humanos. A permissão para a construção desta hidrelétrica e de tantas outras que já começaram a ser erguidas ou estão nos planos do governo, a histórica impunidade em relação à violência no campo e os caminhos abertos pelas mudanças catastróficas no Código Florestal apontam para o mesmo lado: um permanente desrespeito às populações e aos modos de vida existentes na Amazônia, cujos habitantes são encarados como obstáculos ao desenvolvimento planejado em Brasília.

O desrespeito geral aos direitos humanos na Amazônia e as recentes execuções exigem mesmo respostas rápidas. No entanto, não podem deixar de ser contínuas. Está clara a necessidade de proteção aos ameaçados e ação afirmativa do judiciário. Mas não é só: é urgente a reforma agrária e fundamental um crescente apoio à economia baseada na floresta em pé a partir dos sitemas de produção secularmente desenvolvido pelas populações tradicionais. A Amazônia precisa de políticas de ordenamento territorial que contemplem a garantia de direitos dos grupos vulnerabilizados, como os pequenos produtores, extrativistas e quilombolas – bem ao contrário do que temos hoje. Mais um exemplo da má política são as ameaças de redução de áreas coletivas e de preservação na bacia do Tapajós, onde se pretende construir novas hidrelétricas. Também passa da hora de serem efetivos os processos de participação onde a opinião dos povos sejam realmente levadas em conta antes de intervenções em seus territórios. Precisam ser priorizadas políticas públicas que garantam qualidade de vida para a população que quer e precisa continuar no campo para plantar e preservar. Caso contrário, seguiremos sob o risco destas não serem as últimas vítimas da violência como resposta à exigência de direitos.


*A charge publicada com este editorial é de Juliana Borges, do blog Pele na Terra