27/01/2023 15:20
* Tatiana Ferreira
Lideranças das comunidades Quilombo Bom Remédio, Ilha do Capim, Caripetuba e Pirocaba participaram, no último dia 21 de Janeiro, da roda de conversa “Territórios em disputa: trajetórias de avanços das infraestruturas e da bioeconomia no baixo Tocantins”, realizada na comunidade do Pirocaba, em Abaetetuba, com apoio da Fase Amazônia e do Fundo Dema. Entre as preocupações das comunidades está o projeto de instalação de um Terminal de Uso Privativo (TUP) da empresa multinacional Cargill e seus possíveis impactos negativos para a natureza e para a vida nos territórios. Uma assembleia judicial sobre o assunto foi marcada para o próximo dia sete (7) de fevereiro na sede do município, embora haja pouca divulgação.
Durante a roda de conversa, moradores dos territórios compartilharam reclamações e angústias sobre a forma como vem ocorrendo a interferência nas comunidades. Segundo eles, as abordagens das empresas não são realizadas oficialmente por meio das associações e lideranças. Os contatos são feitos individualmente por intermediários, que não deixam claras as intenções e desrespeitam os processos de tomadas de decisão coletivas das comunidades previstos no Protocolo de Consulta Prévia, Livre e Informada, conforme a Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT). “Existem lideranças enfrentando problemas sérios de saúde por causa desta pressão que nunca acaba. Temos direito de permanecer nos nossos territórios. Quando a gente se encontra, pensamos em estratégias de enfrentamento e falamos das nossas dores. Reafirmo nosso direito de viver dignamente e morrer nos nossos territórios sem sermos incomodados. Nossos idosos fazem questão de serem enterrados no mesmo lugar onde estão nossos antepassados”, relata Vanilson Cavalheiro, morador do quilombo Bom Remédio, em Abaetetuba, no Pará, e integrante da Frente de Defesa dos Territórios do Baixo Tocantins.
“As empresas oferecem vantagens que não se sustentam porque esses empreendimentos vão comprometer a água, a pesca e a continuidade da vida. Quando prometem uma ambulancha para assistência de saúde, por exemplo, está tudo errado porque esse é o papel do Estado. Não podemos aceitar esse tipo de oferta e prejudicar nosso futuro com todos os impactos que já conhecemos”, acrescenta Vanilson. Segundo ele, a Frente de Defesa dos Territórios do Baixo Tocantins reúne lideranças que vivenciam os mesmos problemas com os grandes empreendimentos, principalmente nos municípios de Barcarena e Abaetetuba.
Beatriz Luz, educadora da Fase Amazônia, ressaltou na introdução da primeira roda de conversa de 2023 com as lideranças das ilhas de Abaetetuba que “a cada encontro a gente se transforma e se fortalece um pouco mais para a disputa acirrada do território”. A participação das comunidades e de organizações comprometidas com esses territórios, como a Fase e a Universidade Federal do Pará, estão fincadas e têm raízes em bases muito profundas e é isso que faz a gente luta, para reproduzir a vida todo dia”, acrescenta Beatriz.
Olívia Cardoso, liderança da comunidade de Nossa Senhora de Nazaré, no rio Caripetuba, também estava preocupada com o futuro da comunidade em caso de avanço do projeto do porto privado, mas afirma que sai mais fortalecida na defesa dos interesses da comunidade e no compartilhamento dos assuntos discutidos. “Nesses encontros, temos toda liberdade pra trocar experiências que nos fortalecem. Não sei o que seria se não tivéssemos a Fase, a universidade e a Cáritas nos apoiando. Muitas vezes temos dificuldade de acesso à informação sobre nossos direitos. Digo sempre que esses encontros e a educação no campo são fundamentais pra minha vida”, reflete.
Marcela Vecchione Gonçalves, pesquisadora da Universidade Federal do Pará, orientou as lideranças comunitárias sobre a necessidade de reforçar a luta pelos direitos previstos na Convenção 169 da OIT e explicou que tanto os processos ligados à bioeconomia quanto os de instalação de infraestrutura seguem dinâmicas parecidas em diferentes regiões do Pará. “Essa forma de chegar nos territórios do Baixo Tocantins segue a mesma linha e tem conexões com o que ocorre no Tapajós e em outras regiões do estado. A proposta é de que vão gerar renda para a população, mas desconsideram que já existe trabalho no território e não é pouco trabalho, mas é invisibilizado. Esses processos fragmentam o território em si e também fragmentam as dinâmicas sociais existentes”, acrescenta Marcela.
Moysés Dias, educador da Fase, ressaltou que a luta pelos direitos não é apenas dos territórios diretamente impactados, mas de todas as comunidades. “A contaminação dos rios pelos agrotóxicos não vai atingir apenas algumas poucas comunidades. Por isso essa é uma luta muito maior. É de todos nós. O capital utiliza mil faces para tentar convencer de que haverá melhorias e desenvolvimento, mas a que custo?”, questiona. Para Daniela Araújo, liderança do Pirocaba, a hora é de união. “Sabemos que vamos ser afetados e, por isso, precisamos nos munir de conhecimentos para enfrentar essa reunião e o que mais precisar, pois estamos conscientes de que o capitalismo não tem freio”, enfatiza.
Para entender mais sobre a luta das comunidades quilombolas, acesse o link: https://www.fundodema.org.br/1436-2/