28/03/2012 12:43

Por Gustavo Cunha, da FASE

Há quatro anos, acontecia a primeira atividade prática do Projeto de Inclusão Social de Jovens e Mulheres AMAs – Agentes Multiplicadores de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER). AMAs são pessoas devidamente capacitadas que assumem o compromisso de socializar conhecimentos – sobre agroecologia, inclusão socioeconômica e organização política – com outras famílias. A primeira oficina realizada em 2008 se desdobrou na criação de novas equipes técnicas e 244 jovens e mulheres multiplicadores espalhados por 42 municípios baianos. Com isso, fizeram parte do projeto até aqui 3930 famílias.

O Projeto AMAs tem como principal meta a inclusão econômica, social e política de jovens e mulheres da agricultura familiar através de uma estratégia de educação popular multiplicadora. A capacitação dos AMAs acontece em um ‘percurso formativo’ que inclui módulos presenciais, intermódulos, laboratórios e intercâmbios. Cada jovem e mulher AMA deve orientar 15 famílias. Para Fernando Oiticica, coordenador estadual do Projeto, “para garantir o futuro da agricultura familiar na região, era bem mais interessante formar multiplicadores do que apenas assistentes técnicos”.

O financiamento público na Bahia possibilitou a continuidade da proposta, que só pode ter tanto êxito graças à parceria da FASE-Bahia com diversas instituições: a Federação de Trabalhadores e Trabalhadoras da Agricultura Familiar (FETRAF) assumiu as negociações diretas com o governo estadual. Sindicatos de Trabalhadores Rurais (STRs) e Sindicatos de Trabalhadores da Agricultura Familiar (SINTRAFs), além de associações, cooperativas e pólos sindicais, participaram em conjunto da construção do projeto.

Construção coletiva com quase 4 mil famílias participantes

O trabalho é priorizado em três eixos, destacados por Fernando em ordem crescente de importância: inclusão social e econômica; agroecologia e sustentabilidade; e organização social e política. Para as AMAs, é oferecida uma formação teórico-prática, tanto sobre política e cidadania quanto sobre conhecimento prático em agroecologia, como técnicas de plantio e adubação. “Mas tudo acontece em conversas com os participantes. Nada é imposto”, frisou o coordenador. O principal propósito é integrar, de maneira criativa, o saber popular – acumulado pela experiência de agricultores e agricultoras familiares que convivem com os seus respectivos biomas – com as informações sistematizadas em instituições escolares e universitárias.

A única obrigatoriedade é a preocupação central com a segurança alimentar. Por isso, todas as famílias são estimuladas a plantar uma horta: “A todo o momento incentivamos a utilização da produção na própria família, para depois vendê-la, se possível”, explica Oiticica.

Nas propriedades dos 244 jovens e mulheres AMAs, são desenvolvidos “núcleos produtivos”, onde são orientadas determinadas práticas. Os núcleos servem como exemplos do que depois pode ser multiplicado em outras propriedades. Nesse percurso, as famílias recebem assistência técnica em equipamentos e ferramentas. “Tudo é construído de forma coletiva para assegurar a permanência inteligente do jovem no campo”, conclui Oiticica.

No meio do caminho, algumas pedras

Para Orlando Falcão, também coordenador estadual do Projeto, o jovem só permanece se vir que “é possível ter um horizonte de vida no campo – como um lugar para trabalhar e morar”. Antes, é necessário, no entanto, romper alguns obstáculos. Na Bahia, na maioria das vezes, a educação escolar no campo só se estende até a quinta série do ensino fundamental. “Depois, os alunos precisam entrar em contato com a cidade, e acabam se desvinculando do campo”, complementa Fernando, referindo-se a um dos problemas enfrentados no desenvolvimento do Programa. A “permanência inteligente” só é possível se houver valorização dos modos de vida e cultura como bens identitários.

Outro tema prioritário são as políticas públicas. “Na verdade, muitas políticas já existem. O que falta é informação para que as pessoas saibam como atuar”, diz Fernando. Por isso, as discussões políticas são tão importantes. “Em alguns casos, fizemos um debate e demos orientação sobre a Nota do Agricultor Familiar, em que é possível vender 20 mil reais com isenção de impostos”, exemplificou. Os debates acerca de políticas públicas – tendo como mais discutidas as referentes à moradia, crédito rural e comercialização – ultrapassam as propriedades de AMAs e se prolongam por outros espaços, como o Fórum Baiano de Agricultura Familiar e o Fórum de Dirigentes de ATER, onde há uma articulação mais estreita com o Estado.

“Apesar de alguns pesares”, Fernando considera que todos os resultados quantitativos e qualitativos, antes estipulados, foram alcançados. Na maioria dos casos, a participação foi muito intensa “e muitos jovens e AMAs acabaram se tornando presidentes de associações, organizações e sindicatos”. Orlando ainda lembrou que, dos jovens participantes, 90% permaneceram nos locais de origem: “eles conseguiram projetar a vida no campo”. Algumas atividades ainda possibilitaram contatos entre participantes de diferentes regiões do estado, o que gerou uma significativa articulação política.

Um futuro de incertezas

A irregularidade no repasse de verbas pelo governo estadual compromete a continuidade do projeto. Para a FASE Bahia, esse é o problema que mais prejudica o andamento das atividades, neste momento interrompidas, porque independe da atuação da entidade. As paralisações geram também demissões de técnicos. “E isso faz com que tudo atrase”, lamenta Fernando. Mesmo com todos os avanços obtidos após a entrada do governo petista, o Estado ainda mantém um aparato protetor do agronegócio, na opinião dos técnicos da FASE. “Ele bate no prego e na ferradura”, ilustrou Orlando, referindo-se à presença do governo em frentes que se opõem.

O prosseguimento do projeto neste ano ainda está indefinido. “Vamos entrar para a concorrência por recursos públicos, diminuindo a abrangência dos territórios participantes”, explicou Orlando. Caso sejam aprovados, as ações passarão a ser concentradas no Vale do Jiquiriçá e no Baixo Sul.