21/10/2022 14:56
*Paula Schitine
“O Agro não é verde” é o título do novo estudo feito pela FASE em parceria com o observatório De Olho Nos Ruralistas. Esta é a primeira de uma sequência de publicações que se propõe uma classificação da atuação dos atores do agronegócio brasileiro, narrativas e práticas de suposto “esverdeamento”. A publicação mapeia as associações que atuam no lobby do setor e desmente narrativas sobre o agro brasileiro ser o mais sustentável do mundo.
A diretora executiva da FASE, Letícia Tura explica que essas essas falsas soluções pra as mudanças climáticas cresceram muito principalmente após a COP-26, ano passado, em Glasgow. “Foi lá que se consagraram algumas destas saídas que ficaram conhecidas como o mercado de carbono, as soluções baseadas na natureza, a bioeconomia. E essa parceria da FASE com o observatório De olho nos Ruralistas pretende desvelar essas armadilhas que o agronegócio tem nos apresentado”, destaca.
O autor do estudo, à frente do “De olho nos Ruralistas” Bruno Bassi conta que a pesquisa tem como base a apresentação de quem são esses atores, de como essas organizações se alinham de acordo com a narrativa que defendem e especialmente o grau de alinhamento às propostas do Governo Federal nos últimos quatro anos
Como foi feito o estudo
Seguindo o método de análise do discurso, foram avaliados documentos e posicionamentos públicos de 49 associações do complexo agroindustrial. A base de dados é composta por notas de posicionamento, releases, publicações, divulgações institucionais e entrevistas de dirigentes.
Na primeira etapa, se analisou a recorrência de termos relacionados ao discurso de ambientalização e a incidência das principais organizações do agronegócio brasileiro no debate climático. Dessa filtragem inicial, foram selecionadas 13 organizações com atuação mais incisiva nas últimas seis edições da Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima ambientais, realizadas entre a COP22 (Marrakesh, 2016) e a COP26 (Glasgow,2021) e/ou na formulação política de temas da agenda ambiental, as quais foram detalhadas no mapeamento que serviu de base para a presente publicação.
“A FASE nos convidou para fazer esse trabalho, a partir dessa percepção de uma crescente integração do agronegócio especialmente nas Conferencias do Clima. No começo inicialmente só a CNA participava, (Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária), mas a apropriação e cooptação desses temas foi passando ao nível de que hoje a gente tem algumas dessas organizações dominando o debate”, problematiza o autor.
O estudo aposta as narrativas mais usadas no discurso do agronegócio e contesta o que o agro diz com a realidade. São discursos como “O Brasil possui o agronegócio mais sustentável do planeta”. O texto desmonta esse discurso. “Apesar de avanços em técnicas e programas de incentivo à agricultura regenerativa, recuperação de pastagens degradadas, agricultura de baixo carbono (Plano ABC e ABC+) e integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), este discurso ignora a realidade do campo brasileiro. Conforme mostram os dados do Caderno Conflitos do Campo da Comissão Pastoral da Terra (CPT), há uma enorme incidência de conflitos fundiários, uso irregular de agrotóxicos, contaminação de rios e nascentes, grilagem e trabalho análogo à escravidão na cadeia de fornecimento de grandes atores do mercado global”, descreve o estudo.
Lançamento com debates
Após o primeiro lançamento no Recife, o estudo foi lançado no Rio de Janeiro com um debate no espaço Raízes do Brasil, que pertence ao Movimento de Pequenos Agricultores – MPA Brasil. A mesa foi composta pelo autor do estudo, Bruno Bassi, a assessora da FASE, Maria Emília Pacheco e o representante do MPA, Beto Palmeira, com mediação de Maureen Santos, coordenadora do Grupo Nacional de Assessoria da FASE e da publicação.
Para Maureen,“esse estudo é relevante para analisar se as propostas e práticas defendidas pelo “agronegócio verde” estão realmente mudando a forma como o setor lida com os desafios ambientais e climáticos da atualidade”, admite. “Chegamos à conclusão de que essa mudança não é real porque não só adia as transformações necessárias para enfrentar a crise climática, como aprofunda a concentração fundiária e desigualdade social no campo que levou o Brasil ao seu atual cenário de destruição dos biomas, engolidos pela expansão agropecuária e minerária”, afirma.
Durante o debate, Maria Emília Pacheco, especialista no tema soberania alimentar disse que é ´preciso pensar que os impactos desse agronegócio nos leva também a ver conceitos, valores, que vão se inovando, vão aparecendo, como por exemplo o conceito que determina o crime do “ecocídio”. “Esse conceito foi aplicado recentemente no Brasil, no Tribunal Permanente dos Povos, em defesa dos povos do Cerrado, e ele significa exatamente o quanto é grave esse processo de destruição que é promovido por essa expansão agrícola, e a maneira como esse modelo se impõe: com venenos, com a contaminação de solos”, explica Maria Emília Pacheco.
Ela também destaca a importância da sistematização da agricultura familiar. Há hoje no Brasil, há uma recusa em se aceitar que há uma lógica própria, uma especificidade da produção pelos camponeses, pelas comunidades tradicionais.”, considera. “Há normativas do Ministério da Agricultura, por exemplo, que redefinem o enquadramento da agricultura familiar. Isso é grave, porque redefine qual é o percentual de composição de cooperativas para ser considerada cooperativa de agricultura familiar. Nós temos que ter muita atenção”, alerta.
Já o representante do MPA, Beto Palmeira elogia a publicação como sendo a primeira que estrutura e sistematiza, através da pesquisa, o que já vem sendo percebido de perto nos territórios. “Essas mesmas empresas multinacionais que estão destruindo o meio ambiente, que estão por trás do desmatamento, violação dos direitos humanos, agora com uma roupagem sustentável, ou seja, estão se maquiando com discursos da sustentabilidade, mas no fundo permanecem com o mesmo sistema de exploração da natureza”, critica.
Ele ainda denuncia esse discurso de que é possível um agro sustentável. “Na nossa perspectiva é incompatível o agro com a sustentabilidade, até porque nós acreditamos que existem dois projetos de agricultura: a do agro, que pode ser pintado de verde, e a perspectiva dos povos tradicionais, das florestas e das águas, que é construir uma outra sociedade, que é pensar nossa relação com a natureza”, compara.
*Paula Schitine é jornalista da comunicação da FASE.