Maria Rita Schmitt Silva
06/06/2025 12:20
No dia 17 de maio, a FASE MT e o CTA (Centro de Tecnologias Alternativas) realizaram, em conjunto com as famílias envolvidas no projeto “Quintais Produtivos para Recuperação de Áreas Degradadas no Mato Grosso”, uma avaliação das atividades executadas na comunidade das Botas, localizada em Araputanga – MT. O projeto teve início no ano de 2023 e envolveu 35 famílias da comunidade a partir de um objetivo comum: implementar ou aprimorar áreas de produção de alimentos agroecológicos a partir do enriquecimento da biodiversidade, seja com o plantio de árvores (através de mudas ou sementes), culturas agrícolas diversas ou com o cercamento de APP’s (áreas de proteção permanente).
A construção do conhecimento agroecológico, realizada em conjunto com os agricultores, também se deu a partir da instalação de viveiros em algumas propriedades para produção de mudas nativas e frutíferas, do uso de biofertilizantes e caldas ecológicas para controle de insetos indicadores, do uso de tecnologias sociais (como o teodolito para estabelecimento das curvas de nível) e de ferramentas modernas para o monitoramento das áreas (sobrevoo das áreas com drone), etc.
Durante a avaliação, as famílias do P.A Floresta e P.A Rio Vermelho puderam compartilhar suas percepções sobre os principais desafios e conquistas ao longo da execução do projeto. De acordo com a agricultora Valquíria Fernandes, as condições ambientais da região (solo ácido e arenoso), em conjunto com o longo período de escassez hídrica que acometeu o estado do Mato Grosso nos anos de 2023 e 2024, dificultaram o plantio das mudas inicialmente. Aos poucos, porém, Valquíria e sua família continuaram plantando – ora com sucesso, ora acompanhados pelas formigas cortadeiras. Em sua opinião, a importância do projeto para região vem também no sentido da conscientização ambiental que influencia “principalmente os mais antigos, que acham que é besteira o cuidado com as nascentes, com as áreas degradadas. Por que aqui infelizmente tem muita área desmatada na cabeceira dos rios, em torno dos rios, e isso diminuiu muito o volume de água. Quando eu cheguei aqui, com 4 anos de idade, a gente não podia nem chegar perto dos rios por conta do tamanho – hoje em dia meus filhos atravessam o rio assim, brincando”.
A agricultora Tânia Monteiro da Silva também fez a conexão entre a degradação ambiental da região e a forma de exploração dos bens naturais comuns: “O pessoal chegou aqui falando que era um bom lugar para o agro, e pensou o agro é gado, então saiu colocando capim – mas não pensou que com isso a gente iria perder a água. E agora, com esse projeto, a gente ta vendo que dá pra plantar, ter floresta, vaca, e água também”.
Durante a avaliação, a participação das mulheres e da juventude nas ações executadas foi destacada: a agricultora Vera Lúcia descreve que antigamente as mulheres “não tinham voz, nem vez”, e hoje elas são protagonistas do meio rural. Esse protagonismo é estimulado pelo formato dos quintais produtivos, a partir da percepção de que as mulheres são as maiores responsáveis pelo cultivo, manutenção e conservação de inúmeras espécies agrícolas e arbóreas, muitas vezes plantadas ao redor da casa ou cultivadas nos viveiro. Além disso, na maioria das vezes também são responsáveis pelo preparo dos alimentos dentro da unidade produtiva, prezando por uma alimentação saudável e sem venenos. No ano de 2024, as mulheres da comunidade das Botas se organizaram e criaram a Associação de Produtoras Rurais da Agricultura Familiar de Botas e Região (APRAFABRE), que hoje em dia conta com mais de 50 associadas que organizam a produção para comercialização em feiras ou programas federais. A evasão da juventude da comunidade foi apontada como um sério gargalo, a ser combatido por ações afirmativas que possibilitem a permanência dos jovens no meio rural a partir da geração de renda e da agroecologia.
Nesse cenário de muito trabalho em prol da produção de alimentos agroecológicos e da restauração de áreas degradadas, a retomada da prática dos “muxiruns” (mutirões) fez toda a diferença. Na propriedade da agricultora Silvani Inacio de Sales, foram mais de 2.000 mudas e mais de 10kg de muvuca de sementes plantadas – tudo isso possível por conta da ação conjunta com base nos princípios de união e fortalecimento comunitário. Dona Silvani foi uma das maiores animadoras do processo na região das Botas, por entender que é um trabalho quase impossível de ser realizado sozinho, ainda mais quando conciliado com os outros afazeres da propriedade, como a retirada de leite todas as manhãs. Além disso, disse estar claro para ela que os resultados dessa ação conjunta também serão compartilhados entre as pessoas, uma vez que – por exemplo -, as nascentes de sua propriedade abastecem mais duas outras famílias. Ou seja, cuidando desse bem natural comum, contribui para o bem viver do restante da comunidade.
A avaliação foi encerrada com uma linda confraternização na qual técnicos, educadores populares e agricultores puderam celebrar a força transformadora da restauração, da coletividade e da agroecologia.
*Comunicadora da FASE MT