Isabelle Rodrigues
22/05/2025 13:58

Entre os dias 12 e 16 de maio, Recife recebeu a 19ª Conferência Internacional sobre Adaptação Comunitária às Mudanças Climáticas (CBA19), que foi sediada pela primeira vez na América Latina. Realizado no Centro Cultural Cais do Sertão, o encontro reuniu cerca de 390 participantes de 78 nacionalidades, com o objetivo de debater soluções climáticas centradas em justiça, equidade e protagonismo das comunidades diretamente impactadas pela crise climática. A FASE Pernambuco integrou a programação como uma das organizações parceiras do evento.

Durante três dias, a conferência se estruturou em três eixos principais: adaptação local, adaptação urbana e natureza e adaptação, promovendo diálogos entre representantes de movimentos sociais, organizações comunitárias, governos, pesquisadores e agências internacionais. Além disso, contou com momentos de intercâmbio cultural e mobilização popular, como o Festival Clima de Mudança, realizado no dia 14 de maio, com feira de sociobiodiversidade, rodas de conversa, exposições e apresentações culturais. Realizado a poucos meses da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), que ocorrerá em novembro, em Belém (PA), o CBA19 também teve o papel de contribuir com recomendações e diretrizes para que as vozes das comunidades sejam levadas aos espaços internacionais de decisão.

O CBA19 é organizado pelo Instituto Internacional para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (IIED), em parceria com o Governo do Estado de Pernambuco e o Instituto Clima e Sociedade (iCS).

Participação da FASE: um balanço sobre a iniciativa 

A FASE Pernambuco integrou a mesa de encerramento da CBA19, representando a comissão local. Na ocasião, a organização destacou a relevância de comissões locais como espaços fundamentais de consulta e colaboração na realização de conferências internacionais. Foram feitas sugestões para aprimorar as próximas edições do evento, incluindo a realização de encontros preparatórios e atividades pós-conferência, com o objetivo de ampliar a disseminação das diretrizes prioritárias construídas coletivamente ao longo dos debates.

Participação da FASE na plenária de encerramento do CBA, em Recife. | Foto: FASE

Para André Araripe, educador da FASE Pernambuco, o saldo da participação no CBA19 foi bastante positivo. Segundo ele, a conferência trouxe discussões importantes sobre o financiamento para a adaptação climática. “A gente conseguiu dar luz a esse tema, havia muita expectativa sobretudo com o tema do financiamento, tratando da questão da importância de se aumentar o volume de investimentos. Na questão da adaptação climática, conseguimos trazer as questões urbanas, que a gente se ressente de ter menos espaço nesses debates”, afirmou.

André Araripe, educador da FASE Pernambuco, durante sua apresentação no CBA. | Foto: FASE

André Araripe destacou ainda a importância de garantir que os recursos cheguem efetivamente às comunidades de base e às organizações que atuam diretamente nos territórios, como a própria FASE. Um ponto central do debate foi a necessidade de que as comunidades definam suas próprias prioridades e critérios de avaliação, em contraponto aos indicadores impostos por agências financiadoras, muitas vezes desconectados da realidade local. Ele também ressaltou a urgência de promover a equidade de gênero nas ações de adaptação, reconhecendo o papel fundamental das mulheres, guardiãs de saberes ancestrais, na linha de frente dessas iniciativas. 

Através da presença de Evanildo Barbosa, diretor executivo adjunto, a FASE também esteve na sessão temática “Financiamento para Adaptação Baseada na Natureza liderada localmente (Conectando Investimentos, Comunidades e Políticas)”, que tinha o objetivo de analisar abordagens inovadoras de financiamento para Soluções Baseadas na Natureza (NbS) que priorizam a liderança comunitária, modelos de investimento equitativos e adaptação liderada localmente com base em experiências na África e na América Latina. Além disso, participaram ainda da sessão “Onde as soluções climáticas locais decolam!”, que tinha uma metodologia de discussão a partir da criação de ideias para projetos ou projetos já em andamento sobre temáticas de sustentabilidade e ação climática. 

Em uma das sessões do evento, a FASE Pernambuco participou ao lado do INCITI, laboratório da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) dedicado a questões urbanas, para compartilhar sua experiência no campo do monitoramento de políticas públicas. A atividade teve como foco ações e estratégias de adaptação climática, e a FASE apresentou o trabalho de acompanhamento da Política Municipal de Resiliência e Adaptação Climática, por meio do programa Promorar. Durante a apresentação, foram destacados tanto os avanços quanto os desafios enfrentados, especialmente no que diz respeito ao acesso à informação, à criação de espaços de escuta da população e à influência direta na agenda do programa, com redirecionamento de recursos a partir da mobilização e do diálogo com as comunidades.

 

Visitas territoriais e resistência comunitária

A FASE Pernambuco, como membro do Comitê Local, proporcionou e viabilizou duas visitas territoriais em comunidades da região em que já atua e contribui: uma em Coqueiral, onde foi visitada uma iniciativa de plano de contingência do território e tem ações de resgate, inclusive com uma brigada local; e outra na experiência da comunidade de Caranguejo Tabaiares, onde existe um trabalho de apoio às mulheres que lideram uma cozinha comunitária e uma horta comunitária.

A visita realizada à comunidade de Caranguejo Tabaiares, localizada em uma área central da cidade de Recife, integrou a programação oficial do CBA. Na atividade, participaram pelo menos 20 pessoas de diferentes países, incluindo Brasil, Inglaterra, Índia, África do Sul e Bolívia, entre outros. A comunidade se apresentou por meio do coletivo Caranguejo Tabaiares Resiste, que ofereceu um panorama abrangente do contexto histórico e da trajetória de resistência local. A apresentação evidenciou as limitações de se discutir ou implementar ações de adaptação climática no espaço urbano sem considerar as especificidades territoriais e sociais. Ao mesmo tempo, ficou clara a importância da resistência das comunidades na manutenção da terra e na sustentação de iniciativas coletivas que beneficiam os moradores.

Visita ao território da comunidade Caranguejo Tabaiares, na zona central de Recife, durante o CBA. | Foto: FASE

A FASE foi apresentada por Evanildo Barbosa, diretor executivo adjunto, e Rosimere Nery, educadora da FASE Pernambuco, que teve a oportunidade de compartilhar a missão e o papel da organização na agenda da justiça climática, destacando a contribuição da FASE para a Cúpula dos Povos por meio de suas representações: na Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), no Comitê Local de Belém e no grupo Carta de Belém.

Foram pontuados ainda aspectos relevantes da experiência acompanhada pela FASE Pernambuco, como a contribuição na construção de alternativas locais, como a horta comunitária, e a atuação direta no redesenho do projeto habitacional em andamento na área. Essas ações buscam reduzir danos em um contexto de forte degradação ambiental e intensa pressão do mercado imobiliário e financeiro sobre o território. O coletivo Caranguejo Tabaiares Resiste, apoiado pela FASE, foi diversas vezes citado como protagonista dessa resistência.

Evanildo aponta que houve um reconhecimento e uma identificação significativa dos visitantes internacionais com a realidade da comunidade. “Muitos relataram situações semelhantes em seus países de origem, o que gerou um rico debate sobre a incidência em políticas públicas. Contribuí abordando os limites e a necessidade de seguir atuando sobre as políticas urbanas, especialmente em relação à regularização fundiária e à resistência das comunidades. Ocupações urbanas, hortas comunitárias e a participação ativa das organizações locais nos planos urbanísticos e ambientais são elementos centrais para fortalecer a resiliência dos territórios, especialmente diante de projetos muitas vezes elaborados de forma tecnocrática e distante da realidade local”, afirma.

Além disso, Evanildo complementa que o debate sobre reparação foi crucial para a atividade. “Como reparar os danos vividos por famílias afetadas por enchentes, perdas de moradia e mortes? Muitas dessas famílias seguem sem apoio, abrigo ou condições de retornar às suas comunidades. Reforcei, por fim, que as tecnologias sociais e ambientais precisam se ancorar cada vez mais nas experiências concretas dos territórios. É por meio delas que se pode fortalecer processos participativos de adaptação e justiça climática real”, complementa. 

 

*Coordenadora de Comunicação da FASE