30/05/2022 15:15
Elmaza Sadeck e Vanessa Campos*
O programa da FASE na Amazônia, em parceria com o Fundo Dema, Terra de Direitos e Tapajós de Fato, reuniram diversos movimentos e coletivos de juventudes para trocas de vivências e experiências sobre a comunicação popular na luta em defesa dos territórios. O objetivo foi possibilitar a construção de debates e reflexões sobre as diversas formas que a comunicação popular pode ser utilizada na disputa de narrativas, na democratização da informação, no protagonismo de quem está nos territórios, nas periferias das cidades, além de pensar estratégias que fortaleçam os diversos segmentos da região amazônica, historicamente invisibilizados.
Nos dias de conversa, os participantes relataram sobre suas experiências na comunicação popular através das rádios comunitárias, portais independentes de comunicação e as redes sociais. Para Jê Sousa, da rádio comunitária RC FM Lago, na comunidade Vila de Curuai no projeto de Assentamento Agroextrativista PAE Lago Grande, o encontro é fundamental para fortalecer as lutas contra os grandes projetos nos territórios. “Essa comunicação é muito importante, principalmente para fortalecer as nossas lutas quanto à juventude no PAE Lago Grande. Nossa região está sofrendo com as ameaças da mineração e esse encontro está sendo fundamental. A gente veio aqui pra aprender mais, pra levar mais conhecimento e tentar repassar esse conhecimento para toda turma que acompanha a nossa rádio comunitária e tentar abrir os olhos daqueles que ainda são a favor da mineração, que ainda acham que a mineração vai trazer desenvolvimento para nossa região”.
Só na região do Baixo Amazonas, cerca de 13 milhões de hectares estão sendo requeridos pelas empresas de mineração. Essa é uma realidade que não é noticiada pelos grandes veículos de comunicação e por isso se torna, cada vez mais, urgente que as pessoas que estão nos territórios tomem os meios de comunicação como aliados nesse processo de resistência. Segundo Guilherme Carvalho, coordenador da FASE na Amazônia, um dos objetivos principais do encontro é discutir essa escassez de informação sobre o aumento de projetos minerários na região. “Esse encontro de comunicadores e comunicadoras populares aqui da região é muito importante dado que há uma escassez de informação sobre o que está acontecendo na região, principalmente no que diz respeito a expansão do setor mineral. As empresas de mineração estão requerendo cerca de 13 milhões de hectares das terras aqui do Baixo Amazonas, o que significa, por exemplo, 45% dos assentamentos federais, são 13 terras indígenas afetadas, fora as unidades de conservação e outras áreas como a dos quilombolas que chegam a 11%. Ou seja, estamos diante de um processo avassalador de desapropriação territorial”, enfatiza.
O coordenador fala ainda sobre a importância do encontro para discutir estratégias de comunicação, como uma ferramenta de luta na defesa dos territórios do baixo Amazonas e Tapajós. “Se os movimentos sociais e as comunidades não se informarem sobre o que está acontecendo, vai ser muito tarde. Estamos diante de uma avalanche de empreendimentos que vai modificar radicalmente o que é hoje o Baixo Amazonas. Então, ter informação de qualidade, a tempo, em linguagem acessível às comunidades, é de fundamental importância nesse processo, daí a relevância de nós estarmos aqui nesse evento com pessoas que hoje desenvolvem já essa atividade nos seus municípios para que a gente possa estabelecer estratégias conjuntas e fazer esse enfrentamento”, afirma o coordenador.
Alicia Lobato, jornalista e comunicadora popular do portal Amazônia Real e uma das facilitadoras do encontro, diz que enxerga a comunicação popular como uma grande rede que se torna ferramenta para as lutas dos territórios. “A comunicação popular vem de uma ferramenta de ativismo, uma ferramenta para as pessoas dos territórios conseguirem mostrar o que está acontecendo dentro do território deles, de conseguir também fazer com que isso alcance outras pessoas de outros territórios que talvez estejam passando pelo mesmo problema e que, às vezes, não sabem como lidar. Com a comunicação ela consegue se transformar em uma rede muito grande para esses comunicadores populares conseguirem debater esse assunto”.
Luta pela democratização da informação
Para além de apenas produzir notícias, a comunicação precisa ser informativa, feita do povo para o povo, é o que afirma Bill do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Ele faz parte de um acampamento do MST na região metropolitana de Belém e propaga a “reforma agrária do ar”, um termo utilizado para falar sobre a democratização da comunicação. Para ele, é importante encontros como esse para debater contra narrativas para a falta de acesso à informação.
“Existe uma problemática da concentração dos meios de comunicação, onde um punhado de ricos e milionários detém, controlam e dominam todos os meios de comunicação. Sabendo disso, acreditamos e defendemos a construção da nossa própria mídia, pra gente fazer a nossa contranarrativa. Se existe um latifúndio da propriedade, da terra, há um latifúndio dos meios de comunicação. E se não há uma democratização dos meios de comunicação, é necessário lutar para que haja uma distribuição desses meios de comunicação. Se não tem, nós vamos fazer reforma agrária no ar, ou seja, nas faixas de rádio, na imprensa, na TV”, explica.
A rede Mocoronga, do projeto Saúde e Alegria, e a Rede de Notícias da Amazônia, são exemplos de meios alternativos para a falta de acesso à informação. O trabalho de ambos dentro do território amazônico, foram apresentados no encontro. Além de utilizarem a comunicação como ferramenta de luta, usam o rádio como principal aliado, veículo com mais alcance e que é mais utilizado para se comunicar na região amazônica.
Joelma Viana, gestora da Rede de Notícias da Amazônia e uma das facilitadoras do debate falou sobre o “vazio comunicacional” dentro dos territórios amazônicos e como isso está diretamente ligado à não democratização da informação. “Esse vazio comunicacional são espaços onde não existe nenhum tipo de comunicação e as pessoas ficam à mercê de todo ataque que vem de fora porque não conseguem ter informações e nem divulgar o que fazem. A gente tem tentado, primeiro, denunciar esses espaços de ausência de comunicação. Ao mesmo tempo, tentamos fortalecer esses organismos que existem para que eles criem seus próprios espaços, levando para as comunidades alternativas que eles possam estar utilizando na divulgação daquilo que eles estão fazendo dentro dos seus locais e fazer com que essa comunicação de fato chegue e ela seja garantida”, enfatiza a comunicadora.
Preparando o X FOSPA
A realização contou como encontro preparatório a X edição do Fórum Social Panamazônico (FOSPA), que será realizado este ano em Belém, entre 28 a 31 de julho. O educador da FASE Yuri Rodrigues, apresentou de que maneira o Fórum está sendo organizado. Ele destacou ainda que existe a proposta de realização de atividade autogestionada por coletivos e organizações de juventudes das regiões do Baixo Amazonas e Baixo Tocantins com o objetivo de visibilizar as temáticas das juventudes, territorialidades e comunicação popular, bem como ampliar a participação para que se construa um território das juventudes que represente a diversidade da Panamazônia.
*Especial para a FASE.