Suzana Devulsky
11/06/2025 17:15
Nos dias 2 e 3 e junho, lideranças populares, educadores e pesquisadores de diversas partes do Brasil estiveram juntos no Rio de Janeiro para fazer denúncias e procurar caminhos para a proteção das águas como direito e bem comum. Além dos dias de muita discussão e troca de saberes e experiências, o Seminário Caminho das Águas, promovido pela FASE, realizou um evento aberto ao público geral na Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, com exibição de curta-metragens e mesa de debate.
Trazendo uma metodologia de vivência e experimentação, o seminário começou cedo na segunda-feira com a divisão dos participantes em quatro grupos. Cada grupo seguiu para uma rota diferente, sendo convidado a pensar sobre as relações entre o território visitado e a temática das águas. Na parte da tarde, todos se reuniram no Centro Cultural João XXIII para compartilhar o que viram e refletiram ao longo da manhã.
Do Toxic Tour às lutas em defesa das águas na Baixada Fluminense
A primeira rota visitou o território de Novo São Bento, em Duque de Caxias, localizado na Baixada Fluminense, no estado do Rio de Janeiro. O percurso teve início no Museu Vivo de São Bento, onde a professora Marlúcia Santos Souza, diretora do museu e do Centro de Referência Patrimonial do Município de Duque de Caxias, compartilhou reflexões sobre o papel da memória e da museologia social na preservação das águas e dos saberes locais. Em seguida, no Sítio Escola Sambaqui do São Bento, conduzidos por Pedro Paulo da Silva, do Museu Vivo de São Bento, os visitantes entraram em contato com o modo de vida dos primeiros habitantes da região, os sambaquieiros, cujos vestígios arqueológicos revelam formas ancestrais de ocupação, rituais e relação com o território às margens da Baía de Guanabara.
- Rota 1: Do toxic tour às lutas em defesa das águas na Baixada Fluminense
- Fotos: Isabelle Rodrigues
A última etapa do percurso, o chamado “Toxic Tour”, conduzido por Sebastião Raulino, do Fórum dos Atingidos pela Indústria do Petróleo e Petroquímica nas Cercanias da Baía de Guanabara (FAPP-BG), lançou um olhar crítico sobre o impacto da industrialização e dos conflitos ambientais na região. O trajeto passa por pontos emblemáticos como a refinaria REDUC, os antigos lixões e o Aterro de Gramacho, além das margens degradadas do Rio Iguaçu.
A experiência apresentou as consequências da poluição e da exclusão ambiental que atingem diretamente as comunidades da Baixada Fluminense, revelando não só os danos visíveis, mas também as resistências locais que se organizam em defesa da vida e das águas.
Visita à maior estação de tratamento de água do mundo (ETA GUANDU)
A segunda rota conheceu a Estação de Tratamento de Água do Guandu, gerido pela CEDAE (Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro), a maior do mundo em volume de água tratada, com uma vazão de 43 mil litros por segundo, e responsável por 80% do abastecimento de água potável da região metropolitana do Rio de Janeiro.
A visita começou com o acolhimento do grupo em uma palestra sobre a história da estação, que foi fundada em 1955 em Nova Iguaçu, município da Baixada Fluminense, para abastecer a cidade do Rio de Janeiro. Foi apresentado um histórico do consumo de água na região, desde o período das fontes públicas, passando pelas obras realizadas para aumentar o fluxo de água que chega à ETA Guandu e finalizando com uma explicação sobre a situação atual da privatização do serviço de distribuição. Depois, o grupo foi levado para ver as instalações da estação, entendendo cada etapa do processo de limpeza e descontaminação das águas.
- Rota 2: Visita à maior estação de tratamento de água do mundo (ETA GUANDU)
- Fotos: Suzana Devulsky
Os participantes tiveram a oportunidade de refletir sobre os riscos da centralização do abastecimento e da privatização dos serviços de água e saneamento, além de levantarem os problemas relacionados à gestão de resíduos, preservação dos rios e limpeza das águas.
Visita ao Estaleiro-Escola e barqueata com pescadores da Baía da Guanabara
Na terceira rota do seminário, o grupo teve a oportunidade de conhecer de perto o trabalho realizado pelo Movimento Baía Viva, durante uma visita ao Estaleiro Escola da Baía de Guanabara, localizado na Ilha do Fundão, na cidade do Rio de Janeiro, e gerido pelo Nides/UFRJ. Recebidos pela equipe do movimento, o grupo participou de uma barqueata com pescadores e pescadoras locais, o que permitiu compreender a realidade da região e criou um espaço de troca para ouvir suas histórias.
A experiência foi enriquecida por uma apresentação sobre a trajetória da organização e suas ações na região, seguida de momentos de troca de ideias com os pescadores e pescadoras presentes. Durante esse diálogo, foi revelado que muitos pescadores enfrentam dificuldades na comercialização de seus frutos do mar, devido ao preconceito relacionado à origem do pescado. Essa situação gera insegurança alimentar nas comunidades locais e evidencia a necessidade de ações que promovam valor ao trabalho local e combatam o estigma associado ao produto.
- Rota 3: Visita ao Estaleiro-Escola e barqueata com pescadores da Baía da Guanabara
- Fotos: Laura Motta
O Museu do Amanhã (não) diz o que sobre as águas?
A quarta rota consistiu em uma visita ao Museu do Amanhã, na Praça Mauá, um dos ícones da maior operação urbana consorciada do país, apelidada pelos governos de “Porto Maravilha”. Essa foi uma oportunidade dos participantes – muitos deles de fora do Rio de Janeiro – conhecerem de perto uma parte da cidade transformada em mercadoria, além de refletirem sobre a espetacularização da ciência.
Com o olhar crítico de pessoas de diferentes regiões e lutas em defesa da água, foi possível ver uma das artimanhas da lógica capitalista que tenta capturar tudo o que pode para impor a sua dinâmica de homogeneizar a leitura sobre os diferentes modos de existência. Ao mesmo tempo, no museu, a vida é apresentada através da lente do reducionismo científico, sem apresentar o papel fundamental dos povos. Os participantes também apontaram que, ao tratar das mudanças climáticas e das injustiças ambientais, o museu coloca os grandes responsáveis numa zona opaca e estimula, equivocadamente, a adoção de soluções individuais para violações de impacto sistêmico, constitutivas do sistema capitalista.
- Fotos: Maria Eduarda Lopes
- Rota 4: O Museu do Amanhã (não) diz o que sobre as águas?
Grupos de reflexão
O segundo dia de seminário foi de muito debate e construção coletiva. No início do dia, os participantes foram divididos em cinco grupos para a atividade “Para fortalecer nossa contra-corrente: quais são os desafios e as pistas?”, que deveria trazer reflexões direcionadas de acordo com o tema indicado para cada grupo: “metodologias inovadoras para fazer ver às águas”, “enfrentamento à captura e privatização das águas”, “experiências que ampliam a democratização no acesso às águas”, “regenerando e cuidando das águas: na contramão da destruição e da contaminação”, e “as mulheres e as águas: novas confluências para o futuro”.
Ao final, cada grupo compartilhou suas discussões e reflexões com o restante dos participantes, abrindo espaço para o debate coletivo. Para fechar com chave de ouro, e celebrar o fim do seminário, os participantes seguiram para a Cinemateca do MAM-RJ, onde aconteceu um evento aberto ao público geral, com exibição de curtas-metragens da FASE e uma mesa de debate.
Saiba mais sobre o evento da Cinemateca do Museu de Arte Moderna aqui: https://fase.org.br/pt/noticias/caminho-das-aguas-emociona-publico-e-marca-lancamento-da-aquateca-nova-plataforma-de-mobilizacao-em-defesa-das-aguas/
*Este projeto é possível graças ao apoio da Fundação Tinker.
*Comunicadora da FASE