08/06/2022 16:23

Rosilene Miliotti

A insegurança alimentar ocorre quando uma pessoa não tem acesso regular e permanente a alimentos e pode ser classificada como leve, moderada e grave. A partir dessa definição, a pesquisa desenvolvida pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede PENSSAN), em parceria com a Ação da Cidadania, ActionAid Brasil, Fundação Friedrich Ebert – Brasil, Instituto Ibirapitanga, Oxfam Brasil e Sesc, revela que, em dois anos, mais 14 milhões de pessoas no Brasil passaram a conviver com a fome, totalizando 33,1 milhões de brasileiros nessa situação.

O país que já foi referência internacional de políticas públicas de combate à fome (entre 2004 e 2013), em 2020 contabilizava 9% dos domicílios com moradores passando fome. Em 2022, são 15,5%, ou 33,1 milhões de pessoas que não têm o que comer, e mais da metade (58,7%) da população está em situação de insegurança alimentar.

Entre os diversos dados alarmantes, destacamos a contradição que seria o agravamento da fome entre quem planta, os agricultores. Nas áreas rurais, a insegurança alimentar (em todos os níveis) esteve presente em mais de 60% dos domicílios. Leonel Wohlfahrt, educador da FASE no Mato Grosso, analisa que essa escassez de alimentos no meio rural é fruto da falta de apoio em políticas públicas dos últimos cinco anos, fazendo com que as famílias agricultoras não consigam produzir nem quantidade e nem diversidade de alimentos.

Outro aspecto destacado por Leonel são as mudanças climáticas, o que, para ele, aprofundou o problema com o isolamento devido à pandemia. “No Mato Grosso, especialmente no Pantanal e no Cerrado, vivemos uma seca intensa e uma distribuição diferenciada de águas [um período com muita água, outro muito seco]. É necessário políticas públicas para aprendermos a conviver com isso, haja visto que se perdeu durante a seca e as queimadas, muito material genético, sementes, mudas, pequenos animais. A recomposição disso tem um tempo e é necessário intervenção pública. Em contrapartida, os preços dos alimentos aumentaram. O dado de insegurança alimentar grave [fome] no estado do Mato Grosso, é de 18,6%, bem maior que a média nacional. Por outro lado, o agronegócio dá pulos dizendo que alimenta o povo, mesmo as pessoas aqui passando fome. Uma contradição tamanha. O campo está passando fome”.

“Não dá para continuar dizendo que o agro é tech, que o agro é pop, se é esse mesmo agro que utiliza mais as águas, desmata, usa mais agrotóxicos, contribui para as mudanças climáticas e dificulta o manejo do agricultor familiar”.

Sobre o estudo

As entrevistas foram realizadas entre novembro de 2021 e abril de 2022, em 12.745 domicílios, em áreas urbanas e rurais de 577 municípios, nos 26 estados e no Distrito Federal. A Segurança Alimentar e a Insegurança Alimentar foram medidas, mais uma vez, pela Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia), que também é utilizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A pesquisa anterior, de 2020, mostrava que a fome no Brasil havia retornado a patamares equivalentes aos de 2004.

No Brasil de 2022, apenas 4 em cada 10 domicílios conseguem manter acesso pleno à alimentação – ou seja, estão em condição de segurança alimentar. Os outros 6 lares se dividem numa escala, que vai dos que permanecem preocupados com a possibilidade de não ter alimentos no futuro até os que já passam fome. De acordo com a pesquisa, em números absolutos, são 125,2 milhões de brasileiros que passaram por algum grau de insegurança alimentar. É um aumento de 7,2% desde 2020, e de 60% em comparação com 2018. “As medidas tomadas pelo governo para contenção da fome hoje são isoladas e insuficientes, diante de um cenário de alta da inflação, sobretudo dos alimentos, do desemprego e da queda de renda da população, com maior intensidade nos segmentos mais vulnerabilizados”, avalia Renato Maluf, coordenador da Rede PENSSAN.

A continuidade do desmonte de políticas públicas, a piora no cenário econômico, o acirramento das desigualdades sociais e o segundo ano da pandemia da Covid-19, tornaram o quadro desta segunda pesquisa ainda mais perverso. “Os caminhos escolhidos para a política econômica e a gestão inconsequente da pandemia só poderiam levar ao aumento ainda mais escandaloso da desigualdade social e da fome no nosso país”, aponta Ana Maria Segall, médica epidemiologista e pesquisadora da Rede PENSSAN.

“Se, por um lado, as evidências expostas neste Relatório refletem este ambiente de degradação social e, portanto, de retrocessos institucionais que contribuíram para o empobrecimento da sociedade brasileira no contexto da pandemia da Covid-19, por outro lado, indicam a amplitude dos desafios envolvidos em sua superação. A sinergia entre a insegurança alimentar e as demais inseguranças que afetam a sobrevivência humana na atualidade dá uma dimensão clara da agenda de reconstituição do aparato institucional e de reorientação das estruturas econômicas e políticas rumo a uma redução das desigualdades e da melhoria das condições de vida. Para tanto, não será suficiente apenas uma reativação da economia através do crescimento, mas sua reconexão com princípios de igualdade, de resgate dos direitos humanos, dentre os quais o de alimentação adequada, de preservação ambiental e de promoção do bem-estar”, conclui o documento.