Paula Schitine
05/07/2023 11:54

Com objetivo de garantir a igualdade salarial entre homens e mulheres, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, sancionou o Projeto de Lei n° 1.085, nesta segunda-feira (3/07). Outras duas leis também foram assinadas, uma que garante às gestantes e mães de recém-nascidos a continuidade do recebimento do Bolsa Atleta (PL nº 1084/2023) e a que prevê que o assédio a e discriminação passam a ser infrações ao Estatuto da OAB (PL 1.852/2023).

Ministra das Mulheres, Cida Gonçalves. Foto: Divulgação Governo Federal

Cida Gonçalves, ministra das Mulheres, salientou em seu discurso a trajetória de luta das trabalhadoras que aguardava por esse dia há pelo menos 80 anos. “A obrigatoriedade do salário igual para mesmo trabalho entre mulheres e homens existe desde 1943 no Brasil, com a implementação da CLT, a Consolidação das Leis do Trabalho. Desde então, houve pouquíssimo avanço nesse sentido”, disse.

“Em plena segunda década do século 21, a mulher ainda recebe, em média, 22% a menos do que o homem branco. E as mulheres negras recebem menos da metade do salário dos homens brancos”, prosseguiu a ministra.

Na prática, segundo a Lei, empresas com 100 ou mais funcionários devem fornecer relatórios semestrais transparentes sobre salários e critérios de remuneração que  devem conter informações que permitam comparar os salários e remunerações entre homens e mulheres de forma objetiva.

Caso haja alguma irregularidade, serão aplicadas punições administrativas e facilitados os processos legais para corrigir a desigualdade. A nova lei aumenta em até 10 vezes a multa nos casos em que a mulher receber menos do que o homem fazendo a mesma função, elevada ao dobro em caso de reincidência. Atualmente, a multa máxima é de R$ 4 mil. Além disso, a Lei prevê indenização por danos morais em situações de discriminação por sexo, raça, etnia, origem ou idade.

Medidas para a promoção da garantia da igualdade salarial e remuneratória entre mulheres e homens também estão previstas da nova legislação, como a promoção e implementação de programas de diversidade e inclusão no ambiente de trabalho que incluam a capacitação de gestores, lideranças e empregados(as) a respeito da temática da equidade entre homens e mulheres no mercado de trabalho; fomento à capacitação e formação de mulheres para o ingresso, permanência e ascensão no mercado de trabalho em igualdade de condições com os homens.

Para a coordenadora do Fundo SAAP e co-autora da publicação “Costurando Moda com Direitos” (clique aqui e leia a publicação), Taciana Gouveia, o anúncio desta Lei é mais simbólico do que algo que vá mudar de fato a desigualdade entre homens e mulheres no mundo do trabalho. “Existem duas questões: uma é que a maior parte das empresas brasileiras são micro ou médias e não têm mais de 100 funcionários formais. E a segunda é que grande parte das empresas terceiriza mão de obra, então como esse monitoramento pode representar a realidade do mercado de trabalho no Brasil?”, questiona.

Ameaças de precarização do trabalho feminino

Enquanto de um lado o Governo Federal se mostra preocupado com as desigualdades salariais entre homens e mulheres, outra decisão anunciada preocupa pela falta de um olhar mais cuidadoso com alguns tipos de mão de obra tipicamente e de maioria femininas.

Presidente Lula ao lado da governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra e executivo da Shein. Foto: Divulgação Governo Federal

Num evento de grande repercussão na semana passada, o presidente da Shein para a América Latina, Marcelo Claure, anunciou a fabricação de roupas da gigante chinesa da moda no Rio Grande do Norte. O comunicado contou com a presença da governadora Fátima Bezerra (PT) e do presidente Lula. O início da produção está programado ainda para este mês. A Shein virou febre, principalmente entre o público jovem, ao aliar o design moderno garimpado das redes sociais com o custo baixo das roupas importadas da China.

Parte da produção no Rio Grande do Norte ficará a cargo de uma fábrica da Coteminas, no município de Macaíba, região metropolitana de Natal. Mas a Shein também será abastecida por uma rede de oficinas de costura de micro e pequeno porte, espalhadas por municípios do sertão do Seridó, região historicamente castigada pela seca. Em 2013, o governo do estado criou o Pró-Sertão, um programa de “interiorização” da atividade têxtil para gerar emprego e renda. Dentre as ações, foram capacitados 2 mil profissionais da costura em 40 municípios, por meio de uma parceria do Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) com o Instituto Federal, responsável pela oferta de cursos técnicos. Há quatro anos, o setor também conta com incentivos tributários, como a redução do ICMS.

Nos primeiros anos do Pró-Sertão, o programa foi marcado por denúncias de más condições de trabalho nas oficinas do Seridó. As reclamações mais comuns diziam respeito a emprego sem carteira assinada, pagamentos abaixo do salário mínimo e jornadas excessivas para cumprir metas. De acordo com uma série de matérias da agência Repórter Brasil de 2015, doenças laborais, como as chamadas LER/DORT (lesões por esforço repetitivo e doenças osteomusculares), também entraram no radar do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) do Rio Grande do Norte, que criou um programa específico para enfrentar o problema.

De acordo com informações atualizadas do portal Uol, “hoje as oficinas têm o selo Abvtex, o que garante a qualidade para fornecer para os grandes magazines. Isso inclui a fiscalização das condições trabalhistas”, completa Jaime Calado, secretário estadual de Desenvolvimento Econômico do RN. O “selo” a que o secretário se refere é o programa de certificação da Associação Brasileira do Varejo Têxtil. Segundo Edmundo Lima, diretor-executivo da entidade, “a Abvtex e alguns varejistas associados realizaram um forte trabalho para promoção de melhores condições de trabalho nas oficinas locais e formalização das empresas.

Taciana Gouveia, que coordenou pesquisa com 87 costureiras do Ceará para diagnosticar as condições de vida e trabalho dessas profissionais, a maioria mulheres negras, analisa o anúncio de investimentos de cerca de R$ 150 mil da varejista asiática Shein para a produção de roupas no Brasil.

Segundo ela, dificilmente a gigante chinesa vai mudar o seu modelo de negócio que é na verdade uma grande operação logística e não uma empresa de produção. Também, de acordo com Taciana, essa oferta de roupas com valores tão baixos pela internet de forma rápida pode prejudicar as feiras livres de produção artesanal. “Não tem como não precarizar a mão de obra mantendo preços tão baixos e ainda piorar ainda mais porque pode acabar com as feiras livres que existem em todo o Brasil”, enfatiza Taciana Gouveia.

*Jornalista da comunicação da FASE